Furiosa: Uma Saga Mad Max é releitura moderna e atemporal de história de vingança

Furiosa: Uma Saga Mad Max é releitura moderna e atemporal de história de vingança

Filme estrelado por Anya Taylor-Joy e Chris Hemsworth dá novos contornos para a personagem e o mundo de George Miller

Thiago Romariz
16 de maio de 2024 - 7 min leitura
Notícias

O encantamento provocado por Mad Max: Estrada da Fúria, lançado há quase 10 anos, de imediato dificulta a tarefa de Furiosa, novo filme da saga criada por George Miller. Construído como uma história de fuga e perseguição, o longa não só renovou a série, como conquistou público e crítica. Agora, nos duvidosos moldes de exploração de franquias, o cineasta conta a origem da heroína vivida por Charlize Theron e que, agora, está nos olhos de Anya Taylor-Joy, em uma versão mais jovem da personagem. A boa notícia é que ao invés de se render a simples continuação de uma saga, Miller exercita mais uma vez sua visão ímpar em texto e imagem, para criar outro espetáculo de ação que ao mesmo tempo que se diferencia de Estrada da Fúria cria ligações o bastante para ser parte daquele universo inigualável.

É curioso que, em um momento de Hollywood em que a pastelaria de franquias se molda não só pelo método de produção (CGI em volumes, estúdios reduzidos, roteiros explicativos e cheios de ganchos ou conexões compartilhadas), um filme como Furiosa: Uma Saga Mad Max ainda consiga existir - talvez por isso, tenha demorado tanto para ser realizado, na verdade. Mesmo que use computação gráfica com vontade, é latente a sensação de estar dentro do deserto, sujo como os personagens e inebriado pela loucura que paira em cada cenário. Isso se deve ao cuidado estético exacerbado que Miller incute em cada tela. Os efeitos práticos, chicotes de câmera ou mesmo as cores estouradas são apenas elementos que compõem uma clara visão de narrativa construída para absorver o espectador na jornada de Furiosa.

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Miller não se preocupa com a exigência de algo "real", como muito se pede na Hollywood atual. Furiosa, na verdade, transpira essa realidade pela assinatura que o diretor impõe nos quadros, nas falas pontuais e nos olhares que exige de seu elenco. Tudo numa ordem meticulosamente calculada para que o espetáculo em si, não se deixe esvair por um só dos elementos em tela, e sim respire em conjunto. Enquanto em Estrada havia um frenesi constante e palpável pela fuga das mães e a obsessão de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne) com Max (Tom Hardy), o novo filme se permite respirar para moldar cenários e personagens novos, que pouco se importam com o contexto antigo e se identificam tanto pelo visual próprio, quanto pelas atitudes isoladas na trama de Furiosa. A história se conecta, mas não importa se você conhece ou não Mad Max. O que importa é a jornada.

O roteiro, feito por Miller e seu parceiro de Estrada e no primeiro Mad Max, Nico Lathouris, tem como base o conceito formulaico de origem, mas dá contornos episódicos a toda trajetória da personagem principal. Em cada um dos atos, divididos pelos feitos principais dela dentro da Wasteland, Miller consegue fazer um perfeito equilíbrio entre a evolução de Furiosa e a apresentação dos coadjuvantes e suas histórias - e em Mad Max, especialmente nos dois últimos, o contorno dos personagens é tão ou mais importante que eles. Se em Estrada, os veículos e os coadjuvantes eram peças essenciais na ação, em Furiosa eles também são primordiais para a construção da história. O principal deles é Dementus, o vilão caricato (se é que dá pra chamar assim, já que tudo é caricato neste mundo) vivido por Chris Hemsworth. Invadido pela veia cômica que deixa transparecer em outros trabalhos como Férias Frustradas e Thor: Ragnarok, o ator se impõe como um cidadão difícil de decifrar, mas simples de acompanhar devido sua eloquência, fragilidade e trocas constantes de figurino, que o tornam uma espécie de antagonista de quadrinhos clássicos.

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As várias formas de Dementus servem também de termômetro para Taylor-Joy buscar uma nova Furiosa, menos atormentada que a versão de Theron, mas tão imponente quanto. Miller consegue isso muito pelos olhares, tanto nela quanto em Alyla Browne, atriz que faz, por boa parte do filme, a versão criança da heroína. Furiosa se conecta pelo olhar e pelos closes da fotografia de Simon Duggan, que abusa do contraste e dos cenários que contornam as fagulhas ou sujeiras no rosto de Joy. O que torna esta Furiosa tão especial, porém, é a sensibilidade com que os detalhes de sua trajetória são contados. Seja pela conexão com a família, com os parceiros de estrada ou com os vilões, a personagem parece conseguir transmitir só na expressão as dores de uma pessoa traumatizada, a impetuosidade da juventude formada na Wasteland e, por fim, a serenidade de quem precisa ser tão feroz quanto o deserto que a criou.

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Ainda que não tenha o fator surpresa de Estrada da Fúria, Furiosa é um exercício raro de criatividade no cinema moderno, especialmente quando olhamos para grandes orçamentos e franquias. É um filme que joga de lado as convenções sobre computação gráfica ou mesmo a preocupação excessiva com conexões e justificativas em texto para criar personagens e histórias. Miller criou, 45 anos depois do primeiro filme, uma releitura moderna e atemporal de uma história de vingança, que fala sobre humanidade, sacrifícios, legado e, principalmente, sobre o êxtase que é estar em uma sala de cinema para acompanhar jornadas como essa.


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