Sundance: 20 Days in Mariupol é um retrato honesto e brutal da guerra na Ucrânia

Sundance: 20 Days in Mariupol é um retrato honesto e brutal da guerra na Ucrânia

Com filmagens in-loco dos primeiros dias da invasão russa, documentário tem imagens devastadoras da guerra

Guilherme Jacobs
25 de janeiro de 2023 - 5 min leitura
Crítica

Ele estava errado.

Chernov eventualmente reencontrará essa mulher e pedirá desculpas. Apesar do trauma, ela segue viva e intacta. Outros ucrânianos com os quais ele cruza durante seu perigoso mas essencial trabalho não terão a mesma sorte. Com 20 minutos de filme, quando o cineasta chega num hospital pediátrico para se refugiar por alguns dias e acompanhar as tentativas frequentemente frustradas de médicos e enfermeiros de evitar mais perdas, uma menina de quatro anos morre. Daí em diante, as circunstâncias só pioram.

O rosto de Chernov nunca aparece em 20 Days in Mariupol, mas, através de algumas escolhas diretoriais, conforme viajamos mais a fundo nesse inferno moderno, ele começa a se tornar um personagem dentro da narrativa que registra. A melhor delas talvez nem seja tão intencional quanto é automática. Frequentemente vemos sua mão entrando no campo para confortar alguém, segurar algo ou, em flashbacks para momentos de paz, acariciar suas pequenas filhas. Isso enfatiza a presença física de sua câmera em todos esses ambientes, dos mais divinos aos abomináveis, e nos lembra (não que seja possível esquecer) da realidade desses acontecimentos, do quão próximos estamos de um dos grandes atos de covardia e injustiça do Século 21, e do peso que isso traz para quem é encarregado de eternizar tudo.

Tal fardo é mencionado repetidas vezes por Chernov em sua narração, um monólogo no qual ele debate a utilidade de tais imagens e as insere numa longa sequência de confrontos bélicos e desastres nos quais ele se fez presente como repórter da Associated Press. As falas não chegam a ser tanto uma terapia, com Chernov explorando a ética e importância de sua profissão, mas funcionam mais como uma confissão de medo, dúvida e ansiedade. Quantas explosões ele precisará filmar até que as bombas cessem?

Um leve desvio na correria dos 20 dias do repórter na cidade acontece quando ele reflete sobre os vídeos falsos e propaganda pró-Rússia difundidos pelo Telegram e outras redes. O momento destoa do filme, mas é validado pelo comentário de um embaixador russo duvidando da veracidade das gravações. Quando mentirosos tentam levantar dúvidas contra alguém, sabemos onde está a verdade. É o único vislumbre de um comentário maior sobre a guerra. Chernov está pouco interessado nos discursos do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy, no contexto histórico ou na resposta internacional ao conflito. Suas preocupações são mais imediatas.

E, diante de cenas como a de um tanque russo virando sua mira para o prédio onde Chernov está, como culpá-lo? Em momentos como esse, a tensão inerente ao material nos faz esquecer de tudo e sentimos a morte nos envolvendo.

Podemos discutir sobre a eficácia das abordagem, destacar sua repetitividade, ou como a estrutura episódica do filme acaba se tornando maçante independente das visões de guerra por não nos oferecer muito ao que nos apegar, mas tudo isso parece se tornar insignificante diante da relevância desse registro. O barulho dos tropeços de estética ou estilo é suprimido pelo próximo bombardeio. O sucesso de 20 Days in Mariupol como filme vem com ressalvas, mas como documento é difícil até entender como criticá-lo. O que é mais importante?

Há, sem dúvidas, exemplos de documentários sobre guerras, matanças e invasões cujas filmagens impactantes são engrandecidas por feitos narrativos que Chernov não reproduz, mas 20 Days in Mariupol se faz necessário pelo quão cru, direto e visceral é seu olhar. Ele nos coloca no meio do combate, desarmados, desamparados e confusos. Se sua intenção é nos fazer sentir como as vítimas da insanidade de Vladimir Putin, ele conseguiu.

3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
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