A Baleia é um ensaio difícil sobre a condição humana encarnada em brilhante atuação de Brendan Fraser - Crítica do Chippu
Filme adapta peça sobre homem obeso que tenta se reconectar com a filha distante
Crítica
Ao longo dos quase 90 minutos de A Baleia, a história constantemente gira em torno de um ensaio sobre Moby Dick. O texto é o favorito do protagonista Charlie, um professor de redação de meia idade e quase 300 kg que, por conta de seu peso, vive aprisionado no próprio apartamento e não consegue fazer quase nada sozinho. Na sua parte favorita do texto, quem escreveu afirma que o clássico de Herman Melville o entristece mais nos capítulos que descrevem as baleias, pois são apenas uma desculpa para poupar o leitor da história triste sobre o animal que é objeto de obsessão do capitão Ahab.
O texto, que Charlie sempre lê para tentar se acalmar em uma de muitas crises de saúde resultantes de seu sobrepeso, serve quase como uma metáfora para a relação que o filme de Darren Aronofsky estabelece com seu espectador. O longa, uma adaptação da peça de Samuel D. Hunter, vai fazer você se sentir mal em algum momento, seja por pena, seja pela repulsa da relação compulsiva com a comida que o protagonista, brilhantemente interpretado por Brendan Fraser, construiu ao longo dos anos.
A compulsão é resultado de uma tragédia na vida pessoal de Charlie: a perda de seu companheiro, Alan, por quem ele largou a esposa e a filha, Ellie, quando esta tinha apenas oito anos. Ele vive sozinho, mas consegue fazer muito pouco por conta própria, tendo a ajuda de uma amiga enfermeira, Liz (Hong Chau).
Tudo começa a mudar, no entanto, quando Charlie passa a receber visitas de Ellie (Sadie Sink), agora uma adolescente repleta de problemas na escola, claramente resultantes do distanciamento do próprio pai.
A primeira reação de A Baleia é causar o choque, ao retratar a enorme dificuldade de Charlie em realizar coisas simples. O espectador é convidado a se sentir tão preso quanto o protagonista, seja pela sua condição física, seja pelos enquadramentos claustrofóbicos de Aronofsky e do diretor de fotografia Matthew Libatique, chegando até a apelar para uma proporção de tela reduzida.
O que poderia ser enquadrado como uma tentativa de chamar a atenção da Academia por conta de seu protagonista com limitações físicas é subvertido pela história, que pega a propensão natural de quem assiste em criar uma relação de empatia com Charlie e a transforma em um excelente exercício de reflexão sobre a condição humana.
A personalidade de Fraser, cujo jeito bonachão e trajetória de carreira em Hollywood o tornaram um candidato ideal a interpretar Charlie, cuja tendência autodestrutiva só é superada pela vontade de enxergar só as coisas boas em quem ele ama. O carisma natural de Fraser transborda na interpretação do personagem, especialmente quando seu otimismo é colocado à prova pela raiva visceral de sua filha.
A Baleia certamente entrará para a história como o ato de redenção da carreira de Fraser, que viu neste resgate do ostracismo proporcionado pelo filme uma oportunidade de ouro de redenção em uma indústria tão cruel com as aparências como Hollywood. A história do ator conversa com o longa de várias maneiras, mas a mais singela e bonita está exatamente na mensagem central do filme.
A Baleia explica como uma sucessão de tragédias levou Charlie a um lugar difícil na vida, mas, ao contrário de tantos outros filmes que param no radar do Oscar, sua condição física não é usada para dar lições de moral ou criar mensagens inspiradoras. Seus erros tornam seu otimismo ainda mais bonito, um testamento sobre como a bondade pode permanecer até mesmo na mais adversa das condições.
4.5/5