A Casa do Dragão: Os Herdeiros dos Dragões - Crítica com Spoilers

A Casa do Dragão: Os Herdeiros dos Dragões - Crítica com Spoilers

Primeiro episódio da prequel de Game of Thrones é quase um "Greatest Hits" da série original

Guilherme Jacobs
22 de agosto de 2022 - 9 min leitura
Crítica

O texto abaixo contém spoilers de "Os Herdeiros dos Dragões", o primeiro episódio de A Casa do Dragão. A crítica foca apenas na série, e detalhes dos livros não serão discutidos.


Ouvir o álbum "Greatest Hits" de sua banda favorita é uma experiência curiosa. Por um lado, você tem uma coleção de 15 ou 20 das melhores músicas do grupo, hit após hit, sem elos inferiores ou mais fracos. É difícil, contudo, encontrar algum fã que apontaria para um destes discos como seu favorito, porque falta aquela canção específica capaz de adicionar personalidade ao CD, mesmo não sendo das melhores. As idiossincrasias são importantes. A Casa do Dragão, em seu primeiro episódio, "Os Herdeiros dos Dragões", parece ser o "Greatest Hits" de Game of Thrones.


Há Targaryens (e muitos), dragões (e muitos), intrigas políticas e familiares (e muitas) e profecias (uma, bem específica). Todos os ingredientes por trás do sucesso da série da HBO parecem estar presentes nesta primeira hora do nosso retorno a Westeros. Mas enquanto o capítulo reforça as qualidades mais populares desta franquia, e agora podemos chamá-la assim, ele também mostra quais eram os intangíveis responsáveis por dar a Game of Thrones o tipo de textura e ritmo tão importantes para seu sucesso. Aqui, ainda falta isso.


A Casa do Dragão começa com um flashback para o momento no qual Viserys (Paddy Considine) foi apontado como sucessor da linhagem Targaryen por ser homem, passando na frente da primogênita Rhaenys (Eve Best), agora casada com Coryls Velaryion (Steve Toussaint), uma decisão justificada como feita para prevenir uma guerra civil. A história, como dizem, gosta de se repetir. Viserys e sua esposa, Aemma (Sian Brooke), estão esperando um novo bebê, e se ele não for um filho, a situação do herdeiro do Trono de Ferro se tornará, novamente, explosiva.


Isto porque os Targaryen, como fãs de Game of Thrones sabem, não são exatamente a família mais prolífica quando se trata de partos, e a sequência assustadora e impactante da tentativa de salvar o bebê (que, de fato, era homem) e Aemma mostra a continuação desta maldita tradição. Ambos morrem, e Viserys se vê sem herdeiro. A não ser, é claro, que ele esteja disposto a fazer o que não foi feito com Rhaenys, e aponte sua filha, a jovem Rhaenyra (Milly Alcock) como sucessora da coroa. Algo que irá enfurecer o impaciente e rebelde príncipe Daemon (Matt Smith), irmão mais novo do rei.


Tudo isso soa, e é executado, como algo digno de Game of Thrones. Nada mais justo. Entre conversas do conselho, incluindo Corlys e a Mão do Rei, Otto Hightower (Rhys Ifans), na troca de olhares de Viserys com Rhaenys, reconhecendo a triste ironia da situação, e no vislumbre de oportunidade de Otto ao enviar Alicent (Emily Carey), sua filha e melhor amiga de Rhaenrya, para o quarto do rei quando este está enlutado, vemos as peças se movendo no tabuleiro. Alianças, traições, motivações escondidas e rivalidades familiares voam de um lado para o outro da tela, reforçadas pela direção calculada e grandiosa do veterano Miguel Sapochnik. Os diálogos e momentos de tensão são engrandecidos pela atuação fabulosa de todo o elenco, mas alguns merecem destaques.


Considine é o primeiro destes. Ele é, de cara, um tipo de rei inédito para a audiência de Thrones. Mais vulnerável e, à primeira vista, menos detestável, Considine, cujo rosto sempre foi marcado por linhas melancólicas e um sorriso pontuado por rugas, é uma porta de entrada perfeita para este mundo. Ele será, sem dúvidas, comparado ao Ned Stark de Sean Bean, mas sua atuação aqui é inteiramente própria. Há, porém, semelhanças entre os dois. Ambos comunicam muitas
emoções com uma troca de expressão, e quando decidem aumentar o volume, são capazes de se impor.


Oposto ao rei Viserys está seu irmão Daemon, interpretado por Matt Smith com o carisma visto no ator desde sua estreia em Doctor Who mas intensificado em anos recentes. Smith tem um visual inesquecível, e uma capacidade singular de nos conquistar e intimidar. Queremos vê-lo, mas nunca queremos estar com ele. Daemon é o personagem mais cativante desta estreia. Seu charme é venenoso. Smith está salivando em cada fala, aproveitando cada movimento para mostrar sua fisicalidade, e também é ótimo nos silêncios ao lado de sua amada Misarya (Sonoya Mizuno). Ele é o tipo de personagem que nos mantém presos a este mundo. Mal posso esperar para mais dele.


Sua presença também é especial por trazer algo ausente no resto do elenco. Todos os personagens são aqui bem trabalhados, e o texto é sempre de qualidade — enquanto é um pouco óbvio demais na hora de comunicar o tema principal da série (ver: "jamais uma mulher sentou no Trono de Ferro) — mas falta, como falei no começo, aquela música diferente, entre um hit e outro, dando cor, cheiro e tato à narrativa. A Casa do Dragão se passa inteiramente em King's Landing, com um grupo muito específico de pessoas. Não há viagens pelo continente, não há senso de aventura e grandiosidade, não há figuras imediatamente marcantes como O Cão ou Tyrion, pontuadas por atores instantaneamente carismáticos. O mundo, aqui, parece pequeno, ainda que seus habitantes sejam todos gigantes.


Faz parte. É a proposta. A HBO claramente não quer fazer Game of Thrones de novo. A ideia dos showrunners Ryan J. Condal e Sapochnik é explorar uma versão desta história na qual todos os personagens são peças-chave no enredo principal. Isso, por um lado, significa que não temos (por enquanto), o tipo de figura sem grande importância para a trama mas indispensável para enriquecer as cenas. Não há um Sam, uma Brienne, um Oberyn. Claro que, por outro lado, os riscos e reviravoltas serão sempre significativos, este é um jogo de tronos realizado no mais alto nível de poder, onde dragões e espadas voam.


Isto fica claro na belíssima cena na qual Viserys conversa com Rhaenrya e revela sua intenção de apontá-la como futura rainha. Além das consequências políticas perigosíssimas, a cena destaca a profecia dos Caminhantes Brancos e da Canção de Gelo e Fogo, apontando diretamente para Jon Snow e Daenerys Targaryen. Tal ligação não é acidental. Condal e Sapochnik deixam claro em qual patamar esta história acontece.


Então, A Casa do Dragão se torna um exercício para você entender o que tornou Game of Thrones tão impactante. Era a guerra entre os principais nomes, ou as viagens longe do centro? Tenho certeza que personagens como Brienne vão surgir, coadjuvantes que superarão protagonistas em popularidade e qualidade, mas por hora temos um foco menor e mais profundo.

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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