A Incrível História de Henry Sugar é uma avalanche maravilhosa de Wes Anderson

A Incrível História de Henry Sugar é uma avalanche maravilhosa de Wes Anderson

Com apenas 38 minutos, curta-metragem lançado na Netflix parece uma resposta às imitações do diretor

Guilherme Jacobs
27 de setembro de 2023 - 6 min leitura
Crítica

Nos últimos meses, o trabalho de Wes Anderson tem sido o alvo de inúmeras recriações. As bem-intencionadas vem de fãs que usam redes como Tiktok ou Instagram para reproduzir a atmosfera e os enquadramentos do diretor que este ano já lançou um longa-metragem: Asteroid City. Se estes têm um caráter de homenagens, então as "cópias" geradas por inteligência artificial, aplicando com frieza calculista sua suposta estética a, digamos, Harry Potter, parecem querer reduzi-lo a cores e padrões. Neste sentido, A Incrível História de Henry Sugar parece uma direta resposta. Tentem copiar isso.

Essa provavelmente não foi a origem do curta-metragem de 38 minutos, a primeira de quatro adaptações de Roald Dahl (o mesmo autor de Matilda, Fantástica Fábrica de Chocolate e Fantástico Sr. Raposo, já adaptado pelo diretor) que Anderson dirigiu para a Netflix (todos serão lançados nesta semana). Independente disso, é seguro dizer que Henry Sugar é, de várias maneiras, um dos projetos mais Wes Anderson possíveis; dentro dessa rápida duração, o cineasta causa uma inundação de ideias, truques visuais, diálogos afiados, personagens memoráveis e curiosidades. Ao fim desses frenéticos 2280 segundos, é como se voltássemos para a superfície. Enfim soltamos a respiração.

Tudo começa devagar, com a apresentação do próprio Dahl (Ralph Fiennes) se preparando para a escrita. Então, como se um cronômetro começasse sua contagem, o autor começa a ditar em altavelocidadeequasesempararpararespirar como o ganancioso Henry Sugar (Benedict Cumberbatch, se sentindo em casa em sua primeira colaboração com Anderson) descobriu o poder de ver sem usar os olhos, uma técnica que ele pretende usar para trapacear em cassinos. Descrito por Dahl como um solteirão de 41 anos, Sugar vive como outros ricaços ("eles não são homens particularmente ruins, mas não são homens bons, também. Eles não têm grande importância. Eles são simplesmente parte da decoração"); isto é, em busca de mais dinheiro.

Como faz desde O Grande Hotel Budapeste, Anderson aplica uma estrutura de boneca russa. Há histórias dentro de histórias dentro de histórias. Vamos de Dahl para Henry Sugar, que ao abrir um livro nos leva à descoberta do poder por dois médicos (Dev Patel e Richard Ayoade) que um dia entram em contato com o usuário desta habilidade: Imdad Khan (Ben Kingsley). Imdad, por sua vez, começa a relatar como ele aprendeu a técnica, e assim vamos.

Cada um desses testemunhos, assim como nossa ida de um para o outro, vira uma oportunidade. Um dos temas recorrentes de A Incrível História de Henry Sugar é o bom uso do tempo; o que é desperdício, e o que vale nosso empenho? Semelhantemente, Anderson vê a minutagem encurtada não como uma autorização para tocar os hits preguiçosamente, mas sim para se desafiar a aproveitar cada precioso segundo. Seus sets de diorama entram e saem de cenas, são misturados como miniatura, animação e projeção, casas viram estradas, cortinas se levantam e maquiagens são aplicadas (todos os cinco atores principais interpretam múltiplos personagens).

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Somos quase sufocados por criatividade, mas Anderson nunca abre mão da precisão. A Incrível História de Henry Sugar está praticamente sangrando arte por todo canto, mas jamais ganha o caráter de ruído. Seja nas trocas de cenário ou na velocidade da fala dos atores, tudo é medido pelo cineasta com precisão para formar um ritmo imperceptível, nos condicionando a manter a atenção (outro tema da história) e, assim, deixando grandiosos os momentos nos quais personagens param, refletem ou hesitam.

Cada membro do quinteto titular (do qual Cumberbatch e Patel são os grandes destaques) acompanha esse sprint de forma atlética, e encontra nos mais breves elipses o lugar ideal para com uma mudança de entonação, um olhar ou um gesto comunicar tudo que precisamos saber. O efeito de ser bombardeado por Wes Anderson de forma tão rápida, de fato, se torna um tanto quanto avassalador, e ninguém terminará esse breve filme com a impressão de ter visto algo breve. Felizmente, Anderson e sua trupe sempre nos retornam para a humanidade permeando tudo.

A Incrível História de Henry Sugar não parece uma resposta aos seus críticos (e pobres imitações feitas computadores) por conta do quão impossível é manter essa quantidade de desdobramentos narrativos e mosaicos com diferentes estética sem perder a coerência, mas também porque Anderson parece profundamente preocupado em convidar seus personagens e audiência a afiarem seu olhar. Há muita informação neste curta-metragem, e isso é, por si só, impressionante, mas é quando Anderson remove todas as distrações e direciona nosso foco para um elemento (tipicamente enquadrado com perfeição) que encontramos a substância por trás de todo o estilo.

Este filme, assim como todos os outros dessa filmografia tão idiossincrática, só poderia existir assim. Qualquer outra adaptação traria um gosto distinto. O grande feito de Wes Anderson é tornar suas obras inseparáveis de suas linguagens, quer elas puxem stop-motion ou do teatro. As histórias são tão importantes quanto os formatos. Remova um do outro, e você encontrará uma falsificação. Em A Incrível História de Henry Sugar, somos desafiados observar atentos até enxergamos a assinatura que diz: esse é um original. Não aceitem imitações.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs
ONDE ASSISTIR

A Incrível História de Henry Sugar

Ação
Comédia
0h 38min | 2023
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