A Mulher Rei - Crítica do Chippu

A Mulher Rei - Crítica do Chippu

Viola Davis é impecável no épico de guerra de Gina Prince-Bythewood, um espetáculo eletrizante que poderia ser mais profundo

Guilherme Jacobs
16 de setembro de 2022 - 8 min leitura
Crítica

Se filmes fossem jogadores de futebol prestes a bater um pênalti, então alguns seriam mais elaborados, com paradinhas e batidas colocadas. A Mulher Rei, épico de ação e guerra de Gina Prince-Bythewood com Viola Davis no papel de uma guerreira africana, não é isso. Ele é como uma batida de bico, com o atleta fechando os olhos e dando a maior pancada possível na bola. Pura força. Com isso não quero sugerir que o filme não tem classe ou cuidado, mas ele seu impacto não tem muito mistério.


Inspirado em fatos históricos, A Mulher Rei nos leva para o oeste africano de 1823, quando as Agojie — quase a versão real das Dora Milaje de Pantera Negra — eram a principal força militar do reino de Daomé. Lideradas por Nanisca (Davis), elas tem a função de defender a terra, e o jovem rei Ghezo (John Boyega) da invasão dos rivais Oyé, e o fazem atacando vilarejos adversários e levando com si prisioneiros. Estes são vendidos para os portugueses como escravos, e são a principal fonte de renda do local. Isso, claro, não é bem-visto por todos. Nanisca, em particular, conhece a sensação de ser vista como objeto, e instrui suas guerreiras, incluindo Izogie (Lashana Lynch) e Amenza (Sheila Atim), a preferirem o suicídio à escravidão.


Numa união de útil ao agradável, Daomé decide deixar tanto o mercado de escravos quanto a trégua (já invalidada pelos inimigos) contra os Oyé. Essa decisão significa guerra. Na preparação para o combate, as Agojie recebem novas recrutas, incluindo a talentosa, mas arrogante, Nawi (Thuso Mdebu). Boa parte do filme acompanha as jovens no treinamento para se tornarem guerreiras, e alguns dos melhores momentos do roteiro de Dana Stevens e história de Maria Bello são simples interações entre a nova geração e a antiga. Mdebu, excelente na impecável The Underground Railroad, e Lynch são destaques do elenco de coadjuvantes, desdobrando suas personagens com atuações convincentes independente da natureza da cena. Em horas quietas, elas são engraçadas, acessíveis e determinadas. E quando estamos na luta, todas mostram grande presença física. Nessa última questão, Atim também precisa ser celebrada.


A dona do filme, porém é Davis. Indiscutivelmente uma das melhores de sua geração, ela é praticamente uma garantia de imponência quando é escalada em qualquer papel, e A Mulher Rei usa seus talentos com sabedoria. Price-Bythewood entende a capacidade de Davis de comunicar-se com os olhos. Simultaneamente enormes e profundos, os globos oculares são a principal arma da atriz, servindo para sublinhar seus poderosos silêncios quando Nanisca decide reprimir as emoções e seguir firme no caminho Agojie. Quando ela discursa, Davis se torna inescapável, sua voz um imã de atenção independente do volume no qual fale. Se alguém no cinema moderno merece o adjetivo "poderosa," é ela.


Sua presença de tela é absoluta, e isso deixa ainda mais surpreendente ver como Mdebu, Lynch e Atim se mostram consistentemente capazes de acompanhá-la, se manterem interessantes mesmo quando longe da protagonista. Quem mais sofre, especialmente quando contracena com Davis, é Boyega. Normalmente energético e carismático, ele não parece tão confortável no personagem, nem dá a mesma sensação de possuir uma vida interior, pensamentos próprios ou emoções complexas que as mulheres do elenco.


Não ajuda que Boyega está preso a um dos subenredos mal desenvolvidos do filme, envolvendo a escolha da titular Mulher Rei para comandar a nação ao seu lado e o desejo de uma de suas esposas de alcançar o cargo no lugar da favorita Nanisca. Assim como outras tramas secundárias, como o romance proibido entre Nawi e o português Malik (Jordan Bolger), filho de uma escrava que vem para a África ao lado do escravista Santo (Hero Fiennes Tiffin) e passa por um arco próprio enquanto decide de uma vez por todas que, sim, escravidão é algo ruim. O que nos leva ao principal problema do filme.


Prince-Bythewood, cuja direção é controlada e precisa na maior parte do tempo, não parece muito interessada em interrogar muito afundo a ideia dos africanos facilitando a escravidão. Claro, o conceito é confrontado e denunciado pelos personagens, mas os temas, assim como os diálogos, saem de A para B sem muito desenvolvimento ou luta, como se a diretora quisesse logo encerrar a discussão e partir para o que realmente lhe interessa. O tratamento do assunto não é de forma alguma ruim, ou equivocado, mas o processo através do qual ele é examinado se mostra simplório. Personagens não interrogam suas razões. Não são confrontados como podiam. Suas eventuais conclusões se mostram satisfatórias, mas a jornada poderia ser mais intrigante.


A diretora, porém, prefere gastar tempo com os relacionamentos entre as Agojie — suas amizades, medos, sonhos e dificuldades — e em deixar as personagens expressarem suas personalidades. Como culpá-la? O roteiro é melhor quando se mostra mais um veículo através do qual ótimas atrizes podem aprofundar personagens bem construídas e crescer ao dividir a tela com outra colega de talento. Cada uma revela uma voz única, uma presença singular e rapidamente se se torna memorável.


Tal feito é importante porque nem todas as cenas de ação possuem a energia que o filme tem durante as sequências de treinamento ou as faíscas dos diálogos entre diferentes Agojie. As maiores batalhas não são bem comunicadas, ficamos facilmente perdidos até em termos geográficos, e às vezes é difícil identificar quem estamos acompanhando quando muitos personagens entram em ação. Dentro dessas cenas há exemplos de acertos, golpes e ataques específicos que se destacam dentro do todo para capturar nossa atenção, mas o total podia, devia, ser melhor.


Afinal, a atmosfera criada por A Mulher Rei é uma de grandiosidade. Davis adiciona tensão só de dar um passo, e graças ao magnetismo de coadjuvantes como Lynch, cada personagem ganha uma identidade própria até mesmo na forma de lutar. Que A Mulher Rei não consiga combinar tudo isso num grande espetáculo se torna uma pena quando levamos em conta o quão bom as peças separadas são, mas também reforça exatamente esta segunda verdade. A caracterização, as atuações, a criação de um mundo, aqui, são bombásticas. Este é um filme cuja primeira impressão é, também, a única impressão. Não há continuidade de sentimento. Essa superfície, porém, é incrivelmente bem realizada.


3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
a-mulher-reiviola-davisjohn-boyegalashana-lynchcríticareviewgina-prince-bythewoodsheila-atimthuso-mdebu

Você pode gostar

titleFilmes e Cinema

Os Observadores tem DNA dos Shyamalan, para o bem e para o mal

Primeiro filme de Ishana Shyaman, filha de M. Night, não alcança muito mais que um visual bacana em ideias desconexas

Alexandre Almeida
6 de junho de 2024 - 7 min leitura
titleMarvel

X-Men ’97 vence a correria de algumas tramas e dá norte para mutantes no cinema

Série do Disney Plus cumpre quase perfeitamente a ousada ideia de continuar a animação dos anos 1990

Alexandre Almeida
15 de maio de 2024 - 6 min leitura
titleFilmes e Cinema

Kung Fu Panda 4 tem ação criativa e personagens carismáticos, mas não acrescenta à franquia

O novo filme da franquia chega aos cinemas em 21 de março

Bruna Nobrega
13 de março de 2024 - 4 min leitura
titleMarvel

Madame Teia desperdiça elenco com história medíocre

Filme conta a história de origem de personagem obscura do universo da Marvel nos quadrinhos

Thiago Romariz
13 de fevereiro de 2024 - 6 min leitura