Adão Negro pode mudar a hierarquia dentro da mitologia DC, mas não é tão poderoso como filme - Crítica do Chippu

Adão Negro pode mudar a hierarquia dentro da mitologia DC, mas não é tão poderoso como filme - Crítica do Chippu

Asfixiado por clichês e diálogos fracos, Adão Negro até tem momentos de ação bons, mas não gera impacto

Guilherme Jacobs
18 de outubro de 2022 - 9 min leitura
Crítica

Você deve ter ouvido um milhão de vezes que Adão Negro vai “mudar a hierarquia do poder no Universo DC.” Essa é a frase de praxe do astro Dwayne Johnson para vender não só seu personagem, como todo o projeto do vilão/anti-herói no centro do novo blockbuster da Warner Bros. Dentro da mitologia, talvez seja verdade. Um coadjuvante descreve repetidamente o tremendo poder de Teth-Adam (Johnson) como superior aos os de Aquaman, Flash e Mulher-Maravilha (deixando propositalmente de fora das comparações aquele com quem ele lutará no futuro).
O que acontece na cena pós-créditos de Adão Negro? Spoilers!

Mas se a intenção de The Rock está voltada para o zeitgeist, para além da ficção e mirando na criação de um personagem memorável, um novo epicentro da DC nos cinemas, então seu Adão Negro é tudo, menos poderoso. Numa luta, ele perderia para o Coringa.

Como a abertura do filme nos explica, por meio de uma tonelada de clichês de filmes de heróis genéricos como minerais poderosos e artefatos mágicos, Teth-Adam era um escravo em Kahndaq há cinco mil anos. Ele, então, ganhou os poderes de Shazam e os usou para derrotar um rei intolerante na busca por vingança, e foi aprisionado logo depois. Agora, ele foi liberto.

A Sociedade da Justiça, acionada por Amanda Waller (Viola Davis) quando a Liga da Justiça está presa em negociações contratuais com David Zaslav, é enviada para detê-lo. O povo da cidade, representado pela dupla mãe e filho Adrianna (Sarah Shani) e Amon (Bodhi Sabongui), torce para que ele seja o herói disposto a libertá-los dos mercenários da Intergangue, cujo líder almeja a coroa demoníaca usada pelo terrível monarca cinco séculos atrás.

Assim, Teth-Adam recebe a oportunidade de deixar para trás seus caminhos e virar um bastião do bem, ou permanecer na sua moralidade duvidosa. Porém, eu digito essa última frase quase por obrigação. Essa sem dúvida é a intenção do filme de Jaume Collet-Serra. Sua proposta é intrigar as audiências com um debate sobre como pode ser necessária a presença de alguém disposto a cruzar certas linhas quando os mocinhos falham, por exemplo, em deter invasores imperialistas. Entretanto, assistindo a Adão Negro, é difícil identificar quando, e até se, essa discussão ocorre em sua história. A bola é levantada, e então cai.

Claro, personagens da Sociedade, em especial os carismáticos Gavião Negro (Aldis Hodge) e Senhor do Destino (Pierce Brosnan) proclamam várias vezes que matar é ruim, e Teth-Adam constantemente vê o ato, assim como outras brutalidades, como um mal necessário para vencer. Mas não passa disso. Não há nenhuma investigação sobre os méritos de cada abordagem, nenhum desafio aos posicionamentos.

Apesar da ousadia do diretor em gerar essa comparação, ninguém espera de Adão Negro uma dissertação sobre moralidade digna de Dirty Harry. Dwayne Johnson não é Clint Eastwood. Mas impressiona a recusa total do roteiro de Adam Sztykiel, Rory Haines e Sohrab Noshirvani de sequer ousar, em qualquer momento, escolher um lado. Não é ambiguidade, é covardia. Se Adão Negro oferecesse comentários, mesmo os mais básicos, ou se ele tivesse algo a dizer, por mais incompleto e básico, então teríamos algo para argumentar. Ao invés disso, não há nada.

Representando essa trepidação estão Adrianna e Amon. Ela parece mudar sua opinião sobre atos violentos a cada corte, e ele é uma tentativa frustrada de criar um avatar da audiência, gritando de dois em dois minutos sobre o quão legal e maneiro Teth-Adam é até sua mera presença beirar o irritante e condenar o jovem e limitado Sabongui ao status de elo mais fraco de toda a obra.

A insistência do filme de tentar nos convencer da importância desses personagens, ou de sua busca por liberdade, é vã. Mal construídos, eles são tão mortos como criações quanto a cidade cinzenta e feita de pixels borrados onde habitam. Como bússola ideológica, eles apontam para todo lado, e consequentemente não apontam para nada. De forma semelhante, Johnson se mostra incapaz de oferecer complexidade ao protagonista. Armado com duas, talvez três expressões faciais, uma fisicalidade autoritária e diálogos compostos apenas por frases de efeito, o astro deixa de lado até seu charme conhecido enquanto mira no Homem Sem Nome do supracitado Eastwood e, diferente do lendário cowboy, erra totalmente o alvo.

Melhor são Hodge e Brosnan. Ambos conseguem superar o texto raso e elevar seus papéis a algo digno de atenção, e quem sabe até derivados no HBO Max. O ex-James Bond em particular faz por merecer a escalação como uma das figuras mais intrigantes dos quadrinhos da DC e cria, junto do fantástico design de figurino da dupla da dupla Kurt & Bart, um Senhor Destino cujo olhar comunica mil pesadelos, mas cuja postura jamais se abala. Fechando a equipe, temos Noah Centineo esquecível como o Esmaga-Átomo, aqui uma mistura de Peter Parker e Homem-Formiga, e Quintessa Swindell competente como Ciclone, heroína cujo principal mérito e defeito estão no visual.

Na verdade, Ciclone representa Adão Negro quando falamos das imagens deste. Suas cores vibrantes são um oásis no deserto marrom gerado por computação e telas verdes do resto da obra, mas a decisão de Collet-Serra em retratar seus poderes apenas com a mesma tomada de câmera lenta revelam as limitações do diretor. Ele parece, aqui, uma imitação barata de Michael Bay e mais ainda do próprio Zack Snyder, insistindo na linguagem cinematográfica estabelecida por este para o DCEU sem o senso de dinamismo e composição dele.

Há momentos. A primeira grande cena de ação, na qual Teth-Adam acorda e destrói um esquadrão, é apresentada com criatividade suficiente para compensar os efeitos irregulares, mas conforme o longa caminha para seu terceiro ato, o cineasta parece ficar sem ideias e reduz as lutas a bagunças artificiais culminando na chegada de um vilão cujo valor narrativo é zero, e cujo design supera até o do detestado Lobo da Estepe de Joss Whedon.

Mas até nessas cenas, muito pela imponência de Johnson e pelo tratamento maximalista dos movimentos e habilidades de seu anti-herói, o filme mostra, de relances, algumas qualidades.

Empoderado pela surpreendentemente marcante trilha sonora de Lorne Balfe, Adão Negro até flerta com abraçar o exagero e niilismo para dar uma impulsionada no roteiro outrora fraco. Mas sua birra em se considerar algo mais maduro do que é, dando um crédito não merecido à suposta revolução do gênero que nunca vem, acaba se provando um poder grandes demais para os raios de Teth-Adam. Quem sabe no seu prometido combate contra o Superman, a antítese dessa visão de mundo turva, ele realmente se mostre como um desafio à ordem estabelecida das coisas para além de brigas hipotéticas. Aqui, ele não intimida.

2.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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