
Argylle - O Superespião se perde em meio a reviravoltas irritantes e previsíveis
Nova comédia de ação de Matthew Vaughn desperdiça premissa interessante como execução cansativa

Crítica
Há dois tipos de filmes de espionagem dirigidos por Matthew Vaughn. Primeiro, temos as reinvenções do gênero, como X-Men: Primeira Classe e sua introdução dos mutantes como centro de conspirações da Guerra Fria ou Kingsman: Serviço Secreto, uma atualização de James Bond que traz o modelo para o Século 21 através das divisões de classes do Reino Unido. O segundo tipo, onde a continuação (e o prequel) de Kingsman se encontra, dispensa a quebra de tabus e é só uma história tradicional mal executada. Infelizmente, é nesse grupo que Argylle - O Superespião está.
Bom, chamar Argylle de tradicional talvez seja errado. Seu próprio anúncio foi uma reviravolta. Ele foi apresentado como uma adaptação do livro homônimo da misteriosa autora Elly Conway, mas como o trailer revelou, isso era tudo mentira*. Conway, na verdade, é a protagonista da trama; uma autora de livros de espiões inexplicavelmente populares (eles parecem muito ruins) que começa a ser tratada como alvo por agências secretas quando uma de suas ficções começa a ficar parecida demais com a realidade.
*Há um livro de Argylle sendo vendido com o nome de Conway, e o elenco da produção tem brincado com a identidade da autora. Depois de ver o filme, é difícil se importar com isso.
Soa exatamente como o material certo para Vaughn brincar, mais uma vez, com nossas expectativas de que tipo de história estamos assistindo. Dessa vez, porém, o diretor pula de cabeça nas piores qualidades do roteiro confuso e repetitivo de Jason Fuchs, um documento que parece ter sido escrito numa rodada “Verdade ou Consequência” onde alguém o desafiou a incluir o maior número de reviravoltas possíveis numa narrativa. Em Argylle, os plot twists não passam de uma mecânica cômica, desenhada para constantemente surpreender uma audiência viciada em vídeos de curta duração, supostamente capturando sua atenção ao mudar o estado da história no ritmo de um viral do Tiktok.
Novamente, Vaughn é o cara certo para isso. Em seus melhores trabalhos, o cineasta se mostrou capaz não só de identificar quais elementos do gênero precisam ser invertidos, como também soube satisfazer a sede pelos clássicos sem repeti-los. Do momento em que Conway (Bryce Dallas Howard) é resgatada por Aidan (Sam Rockwell) num trem repleto de assassinos, Argylle inicia uma sucessão de surpresas que, em teoria, deveriam se encaixar facilmente com os fortes do diretor. Ao invés de um Ian Fleming ou John lé Carre, espiões de verdade, está uma escritora interessada mais em seu gato (criado com CG questionável) do que em intrigas reais. Ao seu lado, um espião desleixado interpretado por um ator especializado em papéis de colarinho azul desafia nossa ideia do agente secreto refinado.
Abre-se uma gama de ideias divertidas e empolgantes para Argylle, mas seu interesse reside apenas na ideia de brincar com a proposta do revés: você imagina uma coisa, e outra acontece. Repita isso trinta vezes, e você tem Argylle. Vaughn descarta qualquer comentário irreverente, engraçado ou perspicaz sobre a dependência de filmes de espionagem na reviravolta, e só executa uma atrás da outra numa busca de risos que nunca vêm.
Tratar as guinadas de seu enredo como piadas não seria um problema se elas fossem, você sabe, engraçadas. Na prática, a constante busca pelo choque remove qualquer possibilidade de criar algo genuinamente imprevisível, e passa a ser um vício irritante e previsível. Quando entendemos o objetivo do filme, fica fácil identificar todo segredo antes que ele venha à tona, e no processo perdemos toda a ligação com Conway e Aidan. É uma pena, já que suas primeiras interações são interessantes. Numa determinada cena, ele a encoraja a imaginar como solucionar um mistério pensando em como faria isso num livro. É o melhor momento do filme, mas a energia se esgota logo depois.
Os dois personagens, assim como o vilão vivido no automático por Bryan Cranston, são tão mal trabalhados quanto as criações fictícias de Conway. Todos servem apenas uma função, e traços de personalidade deixam de existir toda vez que o longa dobra uma esquina num labirinto cuja saída ele desconhece, mesmo sendo seu arquiteto.
Curiosamente, a brincadeira da ficção e realidade é a única que ele evita. As histórias de Conway, dramatizadas com, claro, Henry Cavill como Argylle, e John Cena, Dua Lipa e Ariana DeBose nos papéis de seus coadjuvantes, são péssimas. Repletas de clichês, ambientes digitais feios e diálogos expositivos, elas oferecem a Vaughn a oportunidade perfeita para diferenciar o genérico do verdadeiro. Mas olhe para a “história real” de Argylle, com Elly e Aidan, e você encontrará o visual chapado da fotografia de George Richmond, que faz até cenas gravadas em locações parecerem vindas de fundo verde, e um texto que existe unicamente para se explicar, caso você tenha se perdido numa de suas reviravoltas.
Talvez nada represente tão bem as limitações desse filme quanto sua escolha de “Now and Then” como música-tema. Com uma estranhamente natureza fantasmagórica, a canção perdida dos Beatles — finalizada com inteligência artificial e lançada junto com um clipe horrível — é uma representação acidental da diferença entre a arte com algo a dizer e uma recriação vazia.
À primeira vista, ela parece conectar diferentes eras usando tecnologia de ponte. “Now and Then”, porém, termina soando feito uma imitação. Semelhantemente, Argylle começa com muita promessa, e ao fim parece somente uma cópia de uma cópia. Tudo de bom ficou pra trás, naquela primeira iteração. Muito se brincou sobre a frase de seu trailer (“é hora de conhecer o verdadeiro agente Argylle”), mas a tragédia do filme é que o Superespião não é nada além de um espaço vazio.

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