
Armadilha: Shyamalan arma outra arapuca para si mesmo, mas escapa graças a Josh Hartnett
Diretor leva serial killer para "show de Taylor Swift” em mais um filme sobre família

Crítica
M. Night Shyamalan é um diretor de família. Seu novo filme, Armadilha, segue seu interesse sobre pais e filhos em situações peculiares. Foi assim desde o relacionamento de Toni Collette e Haley Joel Osment em O Sexto Sentido, Bruce Willis e Spencer Treat Clark ou Samuel L. Jackson e Charlayne Woodard, em Corpo Fechado, Mel Gibson e o resto do elenco de Sinais e nos mais recentes, com Gael Garcia Bernal, em Tempo, e Jonathan Groff e Ben Aldridge, no controverso Batem à Porta.
Em Armadilha, seguimos um pai (Josh Hartnett) que acompanha a filha adolescente (Ariel Donoghue) em um momento único: ir ao primeiro show de sua diva pop favorita. O tempero de Shyamalan aparece no protagonista, um serial killer, que se descobre preso em uma arapuca orquestrada pelas autoridades para prendê-lo durante o concerto. Claro, como toda obra do diretor, escapar da sinopse seria entregar mais do que o devido. A jornada de Cooper, ou melhor, O Açougueiro, pelos corredores da arena é um divertido jogo de gato e rato, que tem na ironia da direção de Shyamalan, um de seus grandes acertos.
O filme é contado do ponto de vista do assassino e pai de família que só quer ver a filha feliz ao longo daquela tarde/noite. Shyamalan nos mostra desde o momento em que Cooper coloca a filha nos ombros, para poder ver um pequeno relance de sua diva, Lady Raven (Saleka), que o sorriso dela é a energia que o move ali. O diretor, no entanto, nunca deixa de nos relembrar quem Cooper também é em sua outra metade: o assassino frio e metódico, que mantém um jovem preso e o observa pelo celular, que já matou diversas outras pessoas e que não pensa duas vezes em agir quando encurralado na arena.
A grande ironia - e o diretor deixa isso bem claro no tom jocoso com que filma Cooper - está na repetição de tropes de filmes de serial killer, mas agora, na visão do próprio assassino protagonista. Hollywood está cheia de histórias em que os vilões conseguem escapar da forma mais estapafúrdia possível, enrolar policiais com seus disfarces ou o famoso “estar sempre um passo à frente” da investigação. Nas mãos de Shyamalan, a situação se mostra um grande deboche do “procurado” contra as preparadíssimas autoridades.
E é preciso dar os créditos ao rosto principal - e que o diretor abusa dos closes-ups - dessa história: Josh Hartnett. O ator que em 2023 teve um importante papel em Oppenheimer, de Christopher Nolan, é a grande estrela do filme e aproveita cada tirada sarcástica ou olhar debochado de Cooper para criar um serial killer carismático e que precisa do espectador ao lado dele para criar a tensão sobre o sucesso de sua fuga ou não. A química entre Hartnett e a jovem Ariel Donoghue nos prende ao relacionamento de companheirismo de Cooper e Riley. Ao mesmo tempo em que ele quer escapar, ele utiliza a paixão de Reiley por Lady Raven para gerar situações que favoreçam os dois. Um momento só dessa parte da família e um estreitamento de laços em que ele foge da situação que o encurrala e ao mesmo tempo ganha pontos com a filha.
E se tudo envolve família, claro que o diretor não deixaria a sua própria de fora. Saleka é filha de M. Night Shyamalan e o diretor produz um show inteiro para a jovem como pano de fundo do suspense. No melhor estilo Taylor Swift, Saleka desfila os sucessos de Lady Raven - que compõem a boa trilha sonora do filme - e aproveita os momentos de pausa entre um segmento de músicas e outro, para fazer reflexões sobre a vida e suas experiências. Óbvio, algumas delas bem rasas, mas que geram dezenas de decibéis dos gritos dos fãs, espantando até o metódico serial killer. Ah… papai Shyamalan também coloca um banner de Os Observadores, filme de sua outra filha, Ishana Night Shyamalan, logo no início.
Há uma quebra de ritmo no último terço de Armadilha, que pode frustrar os espectadores. É o momento onde uma vertente mais cafona de Shyamalan, que já vimos em Tempo, Batem à Porta e em Servant, ganha mais força. Entretanto, ao mesmo tempo que há uma baixa no ritmo e na urgência da trama, é onde parece que o assunto família encontra uma nova ideia além do pai e filha e se espalha para todo o contexto, seja do presente ou passado. É o momento onde o diretor encontra seu melhor twist em Armadilha: o do tema e o do comportamento de Cooper com Riley e o resto.
M. Night Shyamalan monta mais um de seus quebra-cabeças de grandes ideias, execução refinada e assinatura própria. É difícil imaginar outro diretor que, atualmente, teria o poder de entregar um filme como esse, fora do eixo dos streamings. O cinema faz jus ao produto de Shyamalan. E o diretor sabe que não existe outro que, atualmente, faça o que ele faz. O “novo” Shyamalan é profetizado desde 1999. Para muitos é aí que ele se perde e seus formatos e twists mirabolantes são a própria armadilha que constrói para si próprio.
Mas é na subversão dos temas e dos formatos pré-estabelecidos que, assim como Cooper, ele tenta escapar pelos corredores cheios de olhos e câmeras que o caçam. Em Armadilha, Shyamalan consegue escapar com classe, ironia e deboche. Agora a expectativa é para a próxima arapuca que ele vai se meter.

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