Avatar: O Caminho da Água é um salto enorme para o visual e narrativa da franquia - Crítica do Chippu

Avatar: O Caminho da Água é um salto enorme para o visual e narrativa da franquia - Crítica do Chippu

Direção precisa de James Cameron e efeitos especiais 3D impecáveis trazem Pandora e seus personagens à vida

Guilherme Jacobs
15 de dezembro de 2022 - 15 min leitura
Crítica

O primeiro é Avatar tem uma história que pode ser contada sem aqueles efeitos especiais. Seus temas de colonialismo, salvador branco e desastres ecológicos são explorados de forma básica. Por design, acredito, James Cameron preferiu contrapor os conceitos de ficção-científica e fantasia mais cabeçudos (clonagem, transplante de consciência, hivemind orgânica) com uma abordagem de jornada do herói; Jake Sully (Sam Worthington), um herói cujo nome absurdamente genérico é simultaneamente engraçado e adequado para seu papel, precisa aprender os costumes dos Na’vi, e no processo se apaixona não só por Neytiri (Zoe Saldaña) como por todo aquele povo. Já vimos contos semelhantes, claro. Aqui, entram os efeitos especiais. Sem eles, não sobra muito peso. Particularmente (talvez unicamente) vistos no cinema em 3D, as pinturas digitais são, de fato, espetaculares, e transformam a lua de Pandora num playground divertido, ainda que esquecível.

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Mas Cameron não esqueceu. E ao longo dos últimos 13 anos, ele nos tem lembrado do potencial narrativo de Pandora. Escondido embaixo da superfície quase como o unobtainium buscado no primeiro filme, e agora, os prometidos frutos de sua escavação chegaram. Eles não estavam, contudo, enterrados, mas sim encalhados em alto mar. Avatar: O Caminho da Água traz o diretor de volta ao grande azul, foco de alguns dos seus documentários e dos seus melhores filmes, mundo perfeito para se explorar e, claro, afundar barcos.

O resultado é algo muito mais digno da máxima dita por Cameron há tanto tempo. Este, sim, precisava dos efeitos especiais. Não só para trazer à vida a imaginação fértil do diretor, repleta de florestas densas e oceanos cristalinos povoados por todo tipo de criatura, como as gigantes baleias Tulkun, mas ainda mais porque esse processo se torna incrementalmente essencial para a temática de Caminho da Água, um filme sobre a necessidade de fazer parte de um lugar, de encontrar um espaço, de saciar o desejo por pertencimento. Como poderíamos acreditar na vontade destes personagens de criar conexões com um mundo rico se este não existisse diante dos nossos olhos?

Se no primeiro Avatar, a ligação dos Na’vi com Pandora ecoava uma paixão romântica e inocente de Cameron pela natureza e por sua determinação em protegê-la, na continuação isso é o fator determinante na trama. Num mundo onde os habitantes podem, literalmente, se tornar um com fauna e flora, é possível se sentir deslocado? Isso foi verdade para Sully no filme original, mas aqui, Cameron observa essa narrativa de maneiras mais íntimas e sutis, deixando de lado a assimilação humano-alienígena em troca de tensões criadas dentro da própria raça extraterrestre, e em alguns casos dentro até de famílias.

A principal família é a de Jake Neytiri. Juntos, eles têm cinco filhos: O mais velho, destemido e confiável Neteyam (Jamie Flatters), o dedicado e atrapalhado Lo'ak (Britain Dalton), a pequena Tuk (Trinity Jo-Li Bliss) e, adotada, a curiosa Kiri (Sigourney Weaver, interpretando uma adolescente de forma convincente aos 70 anos de idade), cuja mãe biológica é uma reviravolta previsível para quem lembra do papel anterior de Weaver nesta saga, e cujo pai é um mistério guardado para um dos próximos três Avatars. Lá pra 2028, talvez?. Há, também, o garoto humano Spider (Jack Champion), que não chega a ser um filho adotivo como Kiri, mas é tratado como um quinto irmão pelas outras crianças.

Durante sua primeira hora, O Caminho da Água desenvolve essas relações e faz ligações com o filme anterior para nos situar em Pandora, mais de uma década depois da vitória sobre o Povo do Céu e o Col. Quaritch (Stephen Lang). Esta rotina pacífica dos Sully é quebrada quando os humanos voltam com sede de vingança, um novo objetivo, e um novo Quaritch, agora num corpo de Avatar. Jake é o principal alvo do esquadrão do vilão, e diante disso, ele se vê forçado a partir junto com sua família, usando como esconderijo um arquipélago com centenas de ilhas. Lá encontramos a casa dos Metkayina, os Na’vi dos recifes.

O interesse (obsessão?) de Cameron pelas águas é bem documentado, inclusive pelo diretor. Suas explorações marítimas como a da Fossa das Marianas, e a presença constante do cenário em longas como Segredo do Abismo e, claro, Titanic, evidenciam a convicção do cineasta no potencial cinematográfico das ondas e das profundezas abaixo delas. Em Avatar: O Caminho da Água, ele apresenta sua grande tese. A partir do minuto no qual Jake, Neytiri e seus filhos encontram os Metkayina, há uma explosão de criatividade, imagens e vida. Não é hipérbole descrever as cenas aquáticas, quando vistas em 3D HFR, como uma experiência genuinamente única, e talvez o melhor uso da tecnologia — tão abusada por estúdios em busca de uma graninha extra — desde Adeus à Linguagem de Jean-Luc Godard.

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É até difícil descrever a experiência. O impulso inicial é compará-lo com videogames, particularmente por conta do HFR, mas mesmo os mais avançados gráficos AAA são acompanhados de um distanciamento inexistente aqui, e assim essa associação ganha um tom depreciativo. Invocar outros filmes também não adianta. Não há animações, blockbusters ou mundos fantasiosos vistos com essas lentes. Em parte pelo design artístico orgânico e claro, e em grande parte pelos instintos precisos do diretor em relação ao posicionamento e movimento da câmera, enquadramento de planos e comunicação visual, o que poderia se tornar uma bagunça virtual vira o oposto. É comum descrever 3D como algo “saltando em nossa direção.” Aqui é o contrário. Nós mergulhamos na tela.

O impacto é tamanho, que chamar Avatar: O Caminho de Água de algo melhor visto nos cinemas é um eufemismo. É inconcebível imaginar este filme destruído pela compressão de dados, visto em plena luz do dia, através do Disney+. A televisão pode ter 80 polegadas e, quem sabe, até capacidade 3D. A perda será grande. Talvez a melhor maneira de categorizar este filme seja como algo feito para ver nas telonas, ou simplesmente não visto.Se esse tudo ou nada é um erro ou acerto da parte de James Cameron, só o tempo dirá.

O espetáculo visual é tanto que Cameron sabiamente decide desacelerar o roteiro, escrito por Cameron, RIck Jaffa e Amanda Silver, e gastar praticamente uma hora inteira acompanhando o treinamento da família Sully para se adaptar ao seu novo ecossistema (com pele verde-piscina, os Metkayina têm caudas em forma de barbatana e braços mais grossos, perfeitos para nadar).

Este segundo ato dispensa os tiroteios e lutas, mas não é menos empolgante. De maneira hipnotizante, somos apresentados aos diferentes tipos de seres marinhos de Pandora, aos costumes de outra tribo e, durante o processo, aos dilemas dos jovens Sully. Neteyam faz bem a função de primogênito, e apesar de não ser tão desenvolvido quanto alguns de seus irmãos, é uma das presenças mais carismáticas do filme. Tuk é nova demais para participar de grandes momentos. O grande destaque, sem dúvidas, vai para Lo’ak e Kiri

Lo’ak sofre com a sombra gigante de seu irmão e as demandas do pai, cujo passado militar dita seus métodos de criação, questionados até pela implacável Neytiri. Ele é o mais próximo de um protagonista, aquele cujo arco mais espelha as grandes ideias do diretor e os temas gerais da trama. Numa produção no qual toda atuação é bem comunicada pelos artistas de efeitos especiais e pela tecnologia de captura de movimento, a de Dalton ainda se destaca por sua expressividade e honestidade, deixando fácil investir no sucesso do personagem. O mesmo pode ser dito para Kiri. Ouvir a voz de Weaver, inicialmente, causará uma inevitável estranheza. O mérito da atriz, porém, está na forma como ela se dissolve gradualmente, deixando visível apenas uma garota cujo olhar inquisitivo e talentos quase sobrenaturais sugerem a possível figura central na grande narrativa destes cinco filmes. Os clichês de “criança prometida” são, porém, contra-atacados com um comportamento (por falta de um termo melhor) humano, e ela nunca cai na armadilha de ser uma mecânica do enredo, permanecendo firme como uma pessoa.

Mesmo com 192 minutos, Avatar: O Caminho da Água acaba deixando algumas coisas escorrerem entre seus dedos azuis. Se os filhos são tão bem construídos, a história dos adultos perde força. Para Jake o impacto é menor, já que há uma conhecida mas competente dinâmica de pai e filho com Lo’ak. Neytiri, porém, é rebaixada para o banco de reservas por um bom tempo, até retornar com força total nos últimos minutos. Mesmo em seu caso, entretanto, o dano não é tão grande. Já passamos um filme inteiro com este casal. Entre os benefícios deste ser o segundo Avatar — e Cameron é particularmente talentoso nos segundos filmes de franquias — está o fato de que já os conhecemos. Portanto, passar o bastão para a próxima geração é uma ideia refrescante, e enquanto sentimos o diretor guardando grandes acontecimentos e amadurecimento da dupla para as potências continuações vindouras, nunca há a sensação de potencial desperdiçado em relação aos pais do clã Sully.

Isso se aplica mais aos líderes dos Metkayina, Tonowari (Cliff Curtis) e Ronal (Kate Winslet, subutilizada em sua reunião com o diretor de Titanic). Ambos deixam a desejar tanto em termos de caracterização quanto em ação. Para toda regra, porém, há exceções. Dono da melhor atuação de toda Pandora, Stephen Lang é genuinamente incrível em seu retorno como Quaritch, e sua versão Avatar é tanto mais carismática quanto intimidadora. Ele é excelente mesmo nas cenas com o decepcionante Spider, interpretado por Champion de forma cartunesca e exagerada. O garoto está preso num dilema do tipo “natureza vs. criação” raso e sem muita lógica emocional, e de sua boca saem diálogos notoriamente ruins num filme cujas falas não são exatamente brilhantes. Consequentemente, algumas de suas decisões no terceiro ato beiram o inexplicável.

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Felizmente, a bombástica conclusão do filme, abastecida pela presença dos Tulkun e uma navegação enorme (não podia faltar), têm algumas das melhores composições de James Cameron desde Exterminador do Futuro 2. A noção de espaço do diretor, sua precisão em guiar nosso olhar mesmo quando há humanos, Avatares e baleias atirando pra todo lado, e seu característico engrandecimento de riscos, sejam eles emocionais ou físicos, não se perderam ao longo desta década longe do cinema. A intensidade aumenta a cada sequência, mas jamais detectamos um traço de exagero da parte do diretor. É como se cada cena, por mais intensa e explosiva que seja, fosse a continuação natural da anterior. No meio deste caos, as sementes plantadas durante o tempo nos recifes são colhidas e somos capturados não só pela orquestra de balas, flechas e fogo, como também pelo nosso envolvimento com estes personagens. Rapidamente, você se sentirá como um Sully tentando prender a respiração.

Essa imersão é o resultado da combinação perfeita de construção de mundo e personagens. A narrativa de O Caminho da Água, assim como a do primeiro Avatar, não é labiríntica, mas tampouco merece ser descreditada como foi a de seu antecessor. Aqui, o avanço tecnológico é justificado, e até engrandecido, pelo avanço narrativo. Somos submersos em Pandora, sentimos o sal de seus mares e a brisa de suas praias, tanto porque cada pixel do lugar foi trazido à vida minuciosamente, mas também porque os seres ali presentes, mais do que nunca, parecem reais. E desta vez, não é só seu exterior azulado.


4/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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