Avatar: O Último Mestre do Ar da Netflix não mantém qualidade, nem a força da obra original
Série conta com 8 episódios e estreia esta semana no streaming
Crítica
Quando parece que as adaptações começam a encontrar um caminho seguro no streaming, chega um Avatar: O Último Mestre do Ar para nos lembrar que o caminho ainda é longo e árduo. A nova adaptação de Avatar: A Lenda de Aang, a aclamadíssima animação da Nickelodeon, feita pela Netflix está longe de ser um desastre, tem bons momentos impulsionados pelo valor de produção, mas não consegue emanar as principais características da obra original, nem se fixar como um entretenimento da qualidade por si só.
Durante os oito episódios desta primeira temporada, que contam com quase sete horas de história, o espectador acompanha toda o início da jornada de Aang, Sokka e Katara, um trio que viaja o mundo para impedir que a Nação do Fogo, os imperialistas do enredo, destruam o que resta da população - e também para ajudar Aang, o Avatar do título, a dominar os quatro elementos e salvar o mundo de tamanha maldade. Se comparado com anime, temos aqui os temas centrais do Livro 1 adaptados, mas com adições e modificações importantes.
Há de se dizer que as modificações são, no fim das contas, os menores problemas de O Último Mestre do Ar. É sim necessário mudar, afinal, trata-se de uma adaptação e uma nova visão. O desafio, porém, é manter a essência da trama e carregar consigo os mesmos efeitos e impactos que fizeram a obra original se tornar tão amada. E a série da Netflix não faz isso especialmente pelos problemas com elenco e roteiro. A começar pelo texto, que opta por uma mistura nada equilibrada entre seriedade e misticismo, onde nada quase nada funciona - a não ser os momentos e diálogos adaptados quase que literalmente.
Enquanto o trio principal demonstra pouca química e perde força com um desempenho duvidoso de Gordon Cormier como protagonista, a Nação do Fogo tem com facilidade os melhores momentos da série. Se excluirmos a caricatura nada carismática que transformaram Ozai (Daniel Dae Kim), a dupla Zuko o Tio Iroh funciona na medida certa para trazer a complexidade não só da relação deles com a família, mas também com as atitudes do próprio país. Zuko é inseguro e devoto, Iroh é leal e complacente mesmo com todos os horrores da guerra. Se há um ponto positivo e quase sem ressalvas, é como estes dois foram adaptados, já que dentro da realidade do seriado, eles conseguem pelo olhar e poucas falas trazer tudo que significam para o enredo.
E diferente do desenho, que aos poucos se aprofunda em questões de extermínio e religiosidade, o seriado deixa claro que este é o foco, não a aventura dos amigos. E talvez aí esteja um dos grandes problemas do texto, que desova discussões e explanações sobre espiritualidade sem trazer um desenvolvimento satisfatório para os protagonistas. Somente no terço final da temporada, com flashbacks pouco convincentes, o espectador é apresentado aos traumas do trio para entender melhor como a jornada molda o caráter de cada um. Sem comparar com o desenho, é de se esperar que ao menos exista uma dedicação para formar um laço entre Aang, Katara e Sokka - ou pelo menos entre eles e o espectador.
Não é o que acontece. Na verdade, a série parece assumir que a audiência já entende a profundidade da relação e até do mundo em que Avatar se passa, de tão superficial que são as discussões. Os momentos de embate e grandes batalhas não passam despercebidos, é bom lembrar. Os efeitos são, sim, satisfatórios, apesar de ficar evidente que determinadas cenas foram priorizadas, enquanto outras foram feitas com menos orçamento. O saldo no final é positivo, pois não há incômodo algum dentro deste quesito.
O problema está em como, talvez, a série focou em criar um visual emblemático, tratar com sisudez os profundos temas da obra e, no fim do dia, investir menos na interação do trio protagonista, que é o real motor de Avatar. São eles que transformam Aang, são eles que aprendem junto da audiência e apresentam o mundo inteiro. O Último Mestre do Ar assume que todos somos iniciados, e há poucas coisas mais frustrantes do que não ser surpreendido, mesmo quando você está familiarizado com o assunto.