Batem à Porta subverte o estilo de M. Night Shyamalan - Crítica do Chippu

Batem à Porta subverte o estilo de M. Night Shyamalan - Crítica do Chippu

Em vez de enganar e esconder, cineasta escancara perguntas e deixa a dúvida florescer na cabeça de quem assiste

Guilherme Jacobs
1 de fevereiro de 2023 - 6 min leitura
Crítica

Conhecido por suas reviravoltas e finais imprevisíveis, M. Night Shyamalan começa Batem à Porta, seu novo suspense escatológico, abrindo o jogo. Acompanhando o filme distribuído pela Universal Pictures está uma mensagem do próprio diretor nos apresentando, com o auxílio de imagens do trailer, à premissa do longa. Considerando o tipo de história preferida pelo responsável por O Sexto Sentido e Fragmentado, um homem cujos fãs mais devotos buscam evitar e escapar de materiais de marketing reveladores como esse, a escolha é, no mínimo, curiosa.

Para os mais dedicados à ignorância voluntária em relação aos projetos de Shyamalan (ou qualquer filme), a prática sem dúvidas será imperdoável. Mas ao fim de Batem à Porta, fica mais fácil compreender por que, dessa vez, ele parece menos determinado a manter certos elementos da trama trancados a sete chaves. Batem à Porta declara sua grande ideia logo de cara.

Em vez de passar 90 minutos nos enganando num jogo de espelhos, Shyamalan encara a audiência e lhe encarrega a missão de decidir se o que nos foi revelado é, ou não, verdade. Devemos avaliar os argumentos à favor da crença e do ceticismo, comparar as descobertas e analisar as provas para, através dessas lentes, enxergarmos os acontecimentos subsequentes à chegada de quatro estranhos na cabana onde Andrew (Ben Aldridge) e Eric (Jonathan Groff), dois homens gays, foram passar as férias com sua filha adotiva Wen (Kristen Cui, uma descoberta).

Os invasores são o musculoso e cordial Leonard (Dave Bautista), o impulsivo e violento Redmond (Rupert Grint), a sorridente Adriane (Abby Quinn) e a cuidadosa Sabrina (Nikki Amuka-Bird). Como mensageiros do apocalipse, eles trazem uma mensagem de fogo e enxofre. Andrew, Eric e Wen devem, em até 24 horas, decidir qual dos três será voluntariamente sacrificado. Se não o fizerem, o mundo acaba.

Naturalmente, a resposta inicial é de dúvida. Nenhum deles acredita nessa profecia do juízo final. A proposta soa absurda, até para os padrões de um filme de M. Night Shyamalan, e é justamente aí que o diretor encontra a tensão. Não falaremos das respostas à pergunta central de Batem à Porta. Sem spoilers aqui. Entretanto, a construção de suspense e ansiedade da obra existe muito mais no questionamento (“o que esses estranhos estão falando é real?”) do que na solução desse mistério.



A resposta existe, e como sempre em filmes como este, irá frustrar boa parte da audiência, incluindo aqueles com gosto pela ambiguidade, mas Shyamalan está mais interessado, dessa vez, em examinar como nossa cosmovisão define a maneira com a qual reagimos ao aparentemente impossível.

Andrew e Eric, claro, passaram por vários episódios de rejeição e violência até chegarem à cabana onde os conhecemos. Em sequências de flashback pouco inspiradas, Batem à Porta passeia pela memória dos dois para nos mostrar como eles, e especialmente Andrew, adquiriram as cicatrizes invisíveis que hoje carregam. Diante desse histórico, é inevitável tratarem a chegada dos estranhos como um ataque à sua orientação sexual, e por mais que eles insistam em negar isso, alguns dos visitantes indesejados lhes dão razão para continuar nessa linha de pensamento.

Assim, Shyamalan nos coloca na mesma posição de Andrew e Eric. Nossa própria interpretação da vida ditará como analisamos as afirmações e comportamentos dos protagonistas e de seus mensageiros da morte. O quarteto do armagedom, em especial o gigante carinhoso mas arrepiante vivido por Bautista com uma vulnerabilidade inexistente em outros veteranos de WWE agora presentes no cinema, pode ter as melhores intenções, mas seu pedido ainda é impensável. Groff, mais quieto e pensativo, e Aldridge, inquieto e corajoso, abrem a porta (desculpem) para a vida interior desses personagens e nos guiam ao longo de todo o processo pelo qual passam diante dessas circunstâncias extremas.

O roteiro de Shyamalan, Steve Desmond e Michael Sherman (com base no livro de Paul Tremblay) investe mais em desenvolver Andrew e como consequência, mesmo com Groff se mostrando o mais interessante dos dois, algumas epifanias de Eric vão demandar uma boa quantia de fé do espectador. Ironicamente, é mais fácil acreditar no fim do mundo.

Novamente, a legitimidade dessa fé será explorada, e podemos enxergar esse como o verdadeiro plot-twist da vez. Batem à Porta, porém, funciona ao usar o talento refinado de Shyamalan para construir tensão através de composições inspiradas, enquadramentos dinâmicos e uma movimentação de câmera que domina nossos sentidos ao nos transportar para dentro do filme não para atrair-nos até a isca até tirar um Ás do bolso. Dessa vez, o sucesso do truque não depende da magia ser real ou não. Shyamalan só quer que subamos no palco e participemos juntos.

3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
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