Better Call Saul encerrou sua história (e a de Breaking Bad) com um final complexo e maduro

Better Call Saul encerrou sua história (e a de Breaking Bad) com um final complexo e maduro

Conclusão da série oferece um ponto final para a era televisiva que começou com Família Sopranos

Guilherme Jacobs
16 de agosto de 2022 - 6 min leitura
Crítica

O texto abaixo contém spoilers do finale de Better Call Saul e Breaking Bad


Família Sopranos
começou uma era televisa conhecida como "homens difíceis" (se quiser ler um ótimo livro sobre o assunto). Passamos a acompanhar anti-heróis, vilões transformados em protagonistas, homens brancos de meia idade com crises existenciais e motivações nefárias. Essa época alcançou seu ápice durante a tabelinha entre Breaking Bad e Mad Men, quando Walter White (Bryan Cranston) e Don Draper (Jon Hamm) alternavam o posto de melhor personagem televisivo e suas séries dominavam os prêmios. Agora, Better Call Saul, com o complexo, maduro e majestoso fim de Jimmy McGill/Saul Goodman/Gene Takovic (Bob Odenkirk) colocou o ponto final neste período.


Saul o fez ao realmente encerrar sua história e, no processo, concluir também a de Breaking Bad e fechar a porta nestas duas décadas de televisão primorosas. Tony Soprano (James Gandolfini), Walter White e Don Draper nunca encararam as consequências de suas decisões, os efeitos de suas corrupções e da insistência nos caminhos cinzentos. Seja por ambiguidade ou por mortes, nenhum destes homens precisou protagonizar um epílogo como Jimmy McGill fez em "Saul Gone", o finale de Better Call Saul que foi ao ar nesta terça-feira (16). Inicialmente concebida como um prequel de Breaking Bad por Vince Gilligan e Peter Gould, esta série acabou avançando para além do seu material original, e apesar da ideia de voltar para o piloto de sua antecessora agora ser interessante, não há dúvidas de que esta é a verdadeira conclusão da saga de traficantes, gângsteres, advogados e químicos em Albuquerque.


"Saul Gone" tem a temática de viajar no tempo. Em três flashbacks, Gould — aqui como roteirista e diretor — retorna à época colorida da vida de McGill para mostrá-lo tendo o mesmo diálogo, e obtendo diferentes respostas, com Mike (Jonathan Banks), Walter e seu irmão Chuck (Michael McKean). Se você pudesse voltar e mudar algo, o que mudaria? Uma pergunta cujo verdadeira significado é: do que você se arrepende?


Um apresenta arrependimento, o outro só mostra mais ganância, e o último nem tem a chance de responder. Jimmy/Saul, durante todo este processo, se recusa a entreter a ideia. Ele só quer mais dinheiro, mais tranquilidade. E então Walter desce o martelo: "então você sempre foi assim."


Mas como Kim Wexler (Rhea Seehorn) disse no episódio passado, ao declarar para Jesse Pinkman (Aaron Paul) "quando eu o conhecia, ele era bom", Saul Goodman nem sempre foi assim. Talvez sua alma realmente seja a de um golpista e enganador, mas ele certamente não foi a mesma pessoa. Jimmy McGill, Saul Goodman e Gene Takocvic são três homens diferentes. Crescimento, decomposição e mudança. Walter, em seu completo modo Heisenberg, parece ter esquecido o fundamento da química que ensina na escola. Todos passaram por isso.


O protagonista de Better Call Saul passa por mais uma mudança neste episódio final. Combinando a fotografia preto-e-branca de Gene, os ternos chamativos de Saul e o vislumbre de honestidade presente apenas em Jimmy, Bob Odenkirk conclui sua jornada como este profundo personagem num discurso de tribunal (esta é, afinal, uma série judicial) digno do clímax destas histórias e se torna, talvez, uma quarta versão de seu eu. Ali, como Walter fez com Skyler (Anna Gun) em "Felina", admitindo suas razões para entrar no crime, Jimmy (como ele prefere ser chamado) abre o jogo, assume a responsabilidade e confessa seus pecados.


É uma atitude digna do personagem porque ela não é totalmente altruísta. Ele tem um último objetivo e essa é sua jogada. Jimmy quer reconectar com Kim. O sútil e arrebatador relaxamento no rosto dela quebra a frieza absoluta vista no começo da cena e nos diz tudo. Seehorn sempre foi espetacular com micro expressões significativas e Odenkirk mistura charme e melancolia como ninguém. O momento não é totalmente uma redenção, mas oferece finalidade aos personagens mais importantes desta série. A ficha não ficou limpa, mas uma nova linha está sendo escrita.


Se o finale de Breaking Bad foi criticado por ser "perfeito demais" e amarrar todos os laços, o de Saul é tudo menos isso. Não sabemos se Kim foi processada pela viúva de Howard, ou voltou a ser advogada (mas sua decisão de voluntariar na Flórida e escolha de roupa para visitar Jimmy na prisão sugerem, pelo menos, uma volta por cima), não sabemos se Jimmy verá sua amada ex-esposa mais vezes depois da última cena, mas a conclusão emocional aconteceu. Sem dúvidas mais maduros e experientes, Gilligan e Gould focam, aqui, no drama interno. Jimmy precisa arcar com as consequências de seus atos (prisão por 86 anos), mas conseguiu enfrentar a tempestade emocional de seus feitos e fechar a porta.


Dividindo um último cigarro, uma última cor, com Kim, ele é levado à realidade que encerra a era televisiva destes homens complicados. Diferente de Tony, Walter e Don, ele vê o outro lado.

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

0h 0min
better-call-saulbreaking-badpeter-gouldvince-gilliganbryan-cranstonaaron-paulbob-odenkirkrhea-seehornchippu-originals

Você pode gostar

titleCríticas

O Brutalista: Épico de Brady Corbet flutua entre majestoso e frustrante

Leia nossa crítica do longa de Brady Corbet com Adrien Brody

Guilherme Jacobs
28 de outubro de 2024 - 10 min leitura
titlePrime Video

Irmãos é comédia sem inspiração e um desperdício do talento de Josh Brolin e Peter Dinklage

Max Barbakow passa longe do sucesso de Palm Springs

Alexandre Almeida
18 de outubro de 2024 - 5 min leitura
titleFilmes e Cinema

Canina é o bom filme que Amy Adams buscava há anos, mas derrapa nas mil e uma explicações

Comédia dramática utiliza imagem da atriz sem medo do ridículo

Alexandre Almeida
11 de outubro de 2024 - 5 min leitura
titleCríticas

Infestação: Terror de aranhas diverte e agoniza, mas não escapa da própria teia - Crítica

Leia nossa crítica do filme francês de Sébastien Vaniček

Guilherme Jacobs
10 de outubro de 2024 - 6 min leitura