Canina é o bom filme que Amy Adams buscava há anos, mas derrapa nas mil e uma explicações
Comédia dramática utiliza imagem da atriz sem medo do ridículo
Crítica
Desde 2016 que Amy Adams parece correr atrás de uma aprovação de prêmios e críticas que não se concretizou. Depois da dobradinha A Chegada e Animais Noturnos, a atriz emplacou a boa Sharp Objects, da HBO, que rendeu algumas premiações e o papel de Lynne Cheney, em Vice, pelo qual foi indicada ao Oscar. Entretanto, o que veio depois foi muito aquém do que ela poderia entregar. Era uma Vez um Sonho, A Mulher na Janela, Querido Evan Hansen e Desencantada, todos pareciam projetos em que Amy Adams se esforçava demais para alcançar uma aprovação que não é necessária para sua carreira até aqui.
Por essas e outras, durante o Festival de Toronto, havia uma curiosidade imensa - e um pé atrás quase na mesma proporção - em ver Canina, adaptação do livro de Rachel Yoder, dirigida por Marielle Heller, de Poderia me Perdoar?. O que era uma possível preocupação, logo se tornou um alívio, com Amy Adams encontrando aqui o seu melhor papel em muito tempo.
A atriz interpreta uma mãe que deixa a carreira nas artes plásticas de lado para se dedicar ao filho. O marido vive viajando a trabalho e ela precisa cuidar de tudo sozinha. As coisas começam a mudar quando a personagem de Adams passa a se ver como um animal, um cachorro, e começa a experimentar transformações psicológicas e físicas. Ela passa então a se conectar com outras mães, contestar o status quo do casamento e jogar um novo olhar para sua própria arte.
A mistura de comédia, drama e fantasia bizarra de Canina dá a Amy Adams a chance de transitar por diversos espectros. Do ótimo humor físico, quando ela passa a imitar hábitos de cachorro com o filho, aos momentos mais sérios, ao lado do excelente Scoot McNairy. A atriz abraça a estranheza da “mãe”, como a personagem é chamada, para fugir do drama barato de produções anteriores, como Era Uma Vez um Sonho. É impossível ficar sem qualquer tipo de reação quando ela descobre algo crescendo no final de sua coluna, seja pela estranheza ou pela comédia.
A diretora Marielle Heller deixa Adams quase o tempo todo em tela. A mãe é o centro da própria história e vemos personagens entrando e saindo o tempo todo do seu lado, mas no fim das contas, ela sempre acaba sozinha ou apenas com o “filho”. Canina abraça o lado solitário da maternidade. Das dores que só a mãe entende, do cansaço que ela passa e do sentimento que ali, é ela por ela. A inteligência do roteiro é nunca pesar a mão para nenhum dos dois lados. A direção precisa dos atores não deixa que algo cômico sobreponha o drama e vice e versa.
O grande problema do filme é não acreditar que todos esses elementos estão muito bem alinhados em tela. Heller parece não acreditar que o espectador vai abraçar a ideia dessa comédia dramática bizarra e precisa ficar explicando tudo o que está acontecendo. Ao contrário do que a premissa do filme pode parecer, não é uma produção inacessível. A parte fantástica é bem apresentada e nunca deixa dúvidas sobre suas intenções. Heller também parece tentar, através da exposição, suavizar as críticas que o livro sofre sobre a questão dos animais, da caça e da morte deles. A diferença é que o filme tem a seu favor algo que no livro só está na imaginação e nas descrições do autor: a imagem. Essa violência visual nunca é banal, mas o filme parece ter medo de abraçar o próprio discurso.
Canina é uma prova (ou mais uma) de que Amy Adams tem o brilho necessário para qualquer tipo de história. A comédia corporal, que foi um dos pontos altos de Encantada e jogou luz em sua carreira, é a cereja do bolo aqui. Uma história sobre a solidão imposta na maternidade e um instinto de autopreservação que nem sempre ocorre. Heller e Adams colocam tão bem isso na tela, que é uma pena que o filme pareça esvaziado com tanta exposição.
Canina ainda não tem data de estreia prevista para o Brasil.