Cannes | Hirokazu Koreeda se perde na indecisão em Monster - Crítica do Chippu
Indeciso entre drama de amadurecimento e suspense familiar, diretor japonês desabilita o poder de seu próprio filme
Crítica
Hirokazu Koreeda é um dos primeiros nomes que vem à mente quando se fala em famílias quebradas e laços de amor inquebráveis. Um ano após lançar Broker no Festival de Cannes, o diretor japonês retornou à Riviera Francesa com mais um drama em diálogo com Assunto de Família, sua obra máxima vencedora da Palma de Ouro em 2018, com Pais e Filhos, de 2013, e com outros títulos de sua filmografia. Nessa jornada de investigar e celebrar relacionamentos improváveis, porém, Monster parece um trabalho de engenharia reversa. Seu novo longa-metragem é uma grande tentativa de encaixar uma história em sua caixinha temática favorita.
Dividido em três perspectivas, Monster é centrado em Minato Mugino (Soya Kurokawa), um garoto sorridente e curioso que, por alguma razão, começa a agir estranho. Num dia, ele decide cortar seu cabelo sozinho. No outro, ele chega em casa com a orelha machucada. Eventualmente, sua mãe Saori (Sakura Ando) o encontra num túnel abandonado na floresta.
Pelo olhar de Saori, enxergamos os primeiros 30 minutos do filme. O começo dá pistas de um Koreeda interessado no mistério; na criação de tensão ao nos revelar gradualmente como o ambiente escolar está pesando no menino. Minato chega em casa perturbado e triste, e Saori não consegue fazer o menino falar. Não ajuda que a diretora e o corpo docente parecem estar acobertando a natureza das interações de Minato com o Sr. Hori (Eita Nagayama). Com muita personalidade e determinação, Saori parte em busca da verdade.
O primeiro ato de Monster é o mais interessante. Em especial pela atuação incessante de Sakura Ando, a construção de personagem de Saori é imediatamente cativante. Viúva e trabalhando para manter a família, ela bate de frente com a muralha de silêncio da escola até obter respostas, e em poucas cenas, ela se torna alguém por quem iremos torcer por quanto tempo for necessário. Suas reuniões com os professores ganham tanto um ar cômico pela insistência com a qual a diretora Fushimi (Yuko Tanaka) se recusa, da maneira mais educada e japonesa possível, a não esclarecer a situação, pedindo inúmeras desculpas antes de dar uma palavra honesta. Ao mesmo tempo, Koreeda flerta com o suspense. Seu blocking tende a enfatizar o rosto marcante de Ando, gerando um clima de isolamento, e muitas vezes esconde a face de Minato para que vejamos apenas a reação de sua mãe. Ela é suficiente para nos dizer o que precisamos saber. Está claro que algo está errado, e as possibilidades são assustadoras. Então, algo acontece. Aí, vem um flashback.
Todo esse controle de atmosfera se perde quando vamos para a segunda perspectiva e passamos a testemunhar os mesmos dias agora a partir da posição do próprio Hori que, claro, não é o monstro titular. Infelizmente, com exceção do bom trabalho de Nagayama, não há muito onde se agarrar nesse segundo ato. O roteiro de Yuji Sakamoto se afasta demais do núcleo familiar exatamente quando nosso investimento emocional em Saori, e por tabela Minato, estava alcançando seu ápice, forçando-nos a voltar para a estaca zero e caminhar paralelamente à história mais intrigante. A aposta teria dado certo se o material envolvendo o professor fosse tão competente quanto o de Saori, na prática, porém, suas cenas não fazem muito além de inocentá-lo e nos apresentar subtramas dentro da escola. Uma destas, envolvendo Fushimi, parece estar ali só para preencher o tempo.
Enfim, vamos para Minato. No terceiro bloco, Koreeda abandona de vez o clima de suspense e até os leves respiros cômicos para contar um drama de amadurecimento, aceitação e identidade. Em conversa com Close, um dos hits do Cannes passado, Monster enfim revela seus verdadeiros interesses ao colocar o garoto junto com seu colega Eri (Hinata Hiiragi) em aventuras longe dos adultos. Ambos atores mirins fazem um bom trabalho de caminhar dentro da abordagem na qual Koreeda gosta de construir seus filmes, onde frases sussurradas podem ter um impacto maior do que berros e lágrimas, mas Monster mais uma vez nos força a exercer paciência até, enfim, nos incluir em seu íntimo.
Infelizmente, essas três linhas pouco se conectam. Seja em tom ou tema, elas parecem vir de filmes diferentes, cada uma com seus méritos e deméritos em graus variados, e jamais atingem a sintonia presente em filmes de múltiplas perspectivas como Rashomon de Akira Kurosawa, ou em dramas interligados com diversos personagens, a lá Magnólia de Paul Thomas Anderson, claras influências em Koreeda. Damos voltas no mesmo lugar até, enfim, chegar aonde Monster realmente quer nos levar. Ao alcançarmos esse destino, porém, coçamos a cabeça tentando entender se era necessário, ou mesmo sábio, esconder tanto o jogo para entregar uma mensagem cujo potencial emocional é desarmado por sua apresentação piegas.
Hirokazu Koreeda acerta quando desmascara seus personagens pouco a pouco. Deixando visível a humanidade em meio aos seus defeitos e medos até que eles sejam plenamente apresentados, conquistando-nos de maneira natural e honesta. Em Monster, Koreeda aparenta sentir a fragilidade de seu núcleo. Seus melhores filmes são calorosos o suficiente para jamais merecerem o adjetivo de artificiais, mas aqui é exatamente o contrário: sentimos o diretor puxando as cordinhas para incrementar os riscos e preencher os espaços deixados pela ausência de um desenvolvimento pleno com os personagens. Nesse sentido, a trilha sonora melancólica do falecido e brilhante Ryuichi Sakamoto e a fotografia de Ryûto Kondô são ferramentas muito superiores. Há momentos quando as notas do piano de Sakamoto e a iluminação de Kondô conferem a Monster um poder superior, elevando o material melodramático aos ares de emoção e alma presentes nos melhores trabalhos de Koreeda. São vislumbres do que Monster poderia ser.
2.5/5