Cannes | Com mais de 4 horas, Occupied City retrata ocupação nazista em Amsterdã como uma poesia melancólica

Cannes | Com mais de 4 horas, Occupied City retrata ocupação nazista em Amsterdã como uma poesia melancólica

Documentário é dirigido por Steve McQueen, de 12 Anos de Escravidão

Guilherme Jacobs
17 de maio de 2023 - 3 min leitura
Crítica

À primeira vista, você não imaginaria Steve McQueen como a pessoa certa para dirigir Occupied City. Figurando entre os filmes mais longos do Festival de Cannes 2023 com mais de quatro horas de duração, o documentário sobre a ocupação nazista em Amsterdã coloca o diretor britânico de 12 Anos de Escravidão e Viúvas como responsável por fazer um dos mais detalhados retratos possíveis da capital holandesa, misturando seu passado e presente num poema visual. Assistindo ao longa-metragem, porém, entendemos não só porque ele embarcou nesse projeto, mas porque reside na cidade há quase 30 anos.

Lá, McQueen se casou com Bianca Stigter, documentarista e jornalista cujo livro “Atlas of an Occupied City (Amsterdam 1940-1945)” é adaptado praticamente palavra por palavra para a telona (o que ajuda a explicar a duração). Occupied City se revela como uma carta de amor do cineasta à cidade e à esposa, e a paixão do cineasta pela metrópole é palpável. McQueen filmou 36 horas de imagens naturalistas, retratando o dia a dia dos habitantes em toda sua linda e mundana rotina. Jovens brincando na chuva, idosos caminhando com bengalas, escritórios, salas de aula, parques, protestos, beijos. Encontrando os mais variados ângulos e cores de cada ambiente, a fotografia de Lennert Hillege é uma das principais aliadas de McQueen em sua missão de trazer a Amsterdã do presente à vida. Colada em cima dessas imagens está a Amsterdã do passado.

Para esta outra versão da cidade, a que Stigter traz em seu livro, McQueen conta com a narração sóbria e hipnótica de Melanie Hyams, cuja voz transporta as páginas da literatura para o reino da poesia. Assim, com as palavras como a letra e as imagens como a melodia, a história de como os judeus holandeses passaram os cinco anos de ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial ganha o ar de um salmo; uma canção que contrapõe as emoções de cada época para atingir uma linda sintonia. Cada conto narrado por Hyams se passa numa das várias ruas e bairros de Amsterdã, entre 1940 e 1945, quando o fascismo e a maldade separaram famílias, tiraram vidas e asfixiaram a cultura. Enquanto ouvimos os relatos, McQueen nos mostra como aqueles mesmos lugares estão nos tempos atuais. A prisão que virou uma escola, a praça onde ainda há protestos, o prédio demolido, o apartamento com novos ocupantes.

Occupied City brilha nos maiores momentos de harmonia. Quando a fusão entre visual e som, entre passado e presente, gera uma sintonia, ela é capaz de transcender o tempo. Com a ajuda indispensável da montagem de Xander Nijsten, isso acontece tanto pelo contraste de ouvir sobre os abusos com meninas holandesas enquanto vemos uma aula de balé infantil, quanto pela repetição histórica da infeliz necessidade de combater invasores — antes os nazistas, agora um vírus. Nessas instâncias, o presente se torna uma declaração de superação e vitória, um testamento da resiliência desse povo, e o passado passa a existir como um fantasma pairando sobre tudo, seja para lembrar o que foi perdido, ou para alertar sobre a consequência de não se aprender com a história. Elementos como racismo e segregação, por exemplo, existem em ambas linhas do tempo.

McQueen nem sempre traça esses paralelos da forma mais interessante. Suas tentativas de abordar do COVID à extrema-direita, passando pela guerra da Rússia e Ucrânia e chegando até a crise ambiental, parecem, eventualmente, exceder a capacidade da proposta de Occupied City. A mistura entre o que foi e o que é, em grande parte das quatro horas, se mostra emocionante e engajadora. Quando, porém, McQueen parece estar apenas partindo de lembrança em lembrança sem muita inspiração, se apoiando em pomposas tomadas gravadas com drone para tentar nos impressionar, sentimos a minutagem pesar. Curiosamente, isso parece afetar muito mais a segunda metade do filme, que tem um intervalo de 15 minutos no meio.

Ainda assim, não é difícil ser levado às lágrimas durante algum dos vários segmentos onde o charme natural de Amsterdã e seu passado sangrento se juntam para tornar o simples ato de viver o cotidiano — brincando na neve, recitando a Torá ou gritando contra as mudanças climáticas — algo belo e significativo. Uma vez ocupada pelos inimigos da vida, Amsterdã, pelos olhos de McQueen, está mais viva do que nunca. Como seus moradores, ela está cheia de diversidade, complexidade, problemas e beleza.

Nota da Crítica
EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Guilherme Jacobs

Occupied City

Documentário
Guerra
Guerra & Política
4h 22min
festival-de-cannessteve-mcqueenguilherme-jacobsoccupied-citycriticaa-24

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