
Sundance: Cat Person é a grande decepção do festival - Crítica do Chippu
Adaptação de história viral do New Yorker esvazia o texto de seu potencial com escolhas de direção bizarras

Crítica
FESTIVAL DE SUNDANCE: O texto no qual Cat Person se baseia é uma espécie de teste rorschach. Publicado por Kristen Roupenian no New Yorker em 2017, o conto se tornou um vórtex de debates modernos, enquanto a internet discutia se o texto era uma denúncia do desequilíbrio de poder nos relacionamentos entre homens e mulheres, uma tentativa de representar os desafios de namorar pós-#MeToo, uma crítica ao comportamento ultra sensível do romance no século 21, ou algo no meio disso tudo. Sua reação à história, cuja conclusão é um ponto final brutal e definitivo, diz tanto quanto as próprias palavras. Há uma perspectiva clara, uma intenção, e há também espaço suficiente para interpretar de formas diferentes qual é o alvo da narrativa.
Tais nuances são inexistentes na adaptação longa-metragem de Cat Person. Dirigido e por Susanna Fogel e escrito por Michelle Ashford, o filme coloca Emilia Jones (No Ritmo do Coração) no papel de Margot, uma estudante universitária de 20 anos que começa a flertar com Robert, um homem de 33 anos vivido por Nicholas Braun (Succession), após um breve encontro no cinema onde ela trabalha. Durante dois terços de sua duração, Cat Person segue fielmente a escrita de Roupenian; das mensagens de texto divertidas ao encontros beirando, simultaneamente, comédias românticas e constrangimentos inescapáveis. Nesse tempo, vemos Margot e Robert num vai-não-vai que constantemente nos coloca numa corda bamba entre a vontade de shippar, o impulso de mandar a garota correr e a culpa por aparentemente julgar de forma precipitada as intenções do rapaz.
Robert é desajeitado e nem sempre percebe seus erros. Boa parte da genialidade de Roupenian, porém, vem quando a escritora encontra até nesses supostos equívocos honestos o potencial de ultrapassar uma linha perigosa. O texto termina com uma palavra violenta, encerrando qualquer dúvida sobre Robert sem cair em clichês ou banalidades.
Cat Person, o filme, não confia nesse poder. Ao longo dos dois primeiros atos, o roteiro insiste em comentar, em tempo real, cada desdobramento. Talvez sem confiar na capacidade da audiência de observar Robert como alguém fofo, possivelmente perigoso, mas provavelmente só desprovido de tato. Ashford adiciona diversas notas de rodapé para sublinhar as diferentes interpretações de cada situação. A imaginação de Margot é um fator na obra original, mas a maneira com a qual o texto do filme realiza cada medo e ansiedade da personagem, algo intensificado pela abordagem de suspense e até terror implementada por Fogel em diversas sequências, drena o longa-metragem de qualquer sutileza ou profundidade.
A própria escalação de Braun serve para dificultar a nossa capacidade de se envolver intelectualmente com Cat Person. Inseparável do primo Greg de Succession, ele pende demais para a estranheza e vergonha alheia, e mesmo quando a química com Jones — cuja performance encontra o equilíbrio tão necessário para essa adaptação — se torna visível, não há a ambiguidade para tornar esse estudo sobre as dinâmicas modernas de relações românticas e sexuais intrigante, divertido ou até perturbador.
Bom, esse último adjetivo pode, com certeza, ser aplicado ao terceiro ato. Criado inteiramente para o filme, ele nos mostra as consequências da poderosa e sombria última palavra do conto, uma feia e tenebrosa mensagem de texto enfatizada por Fogel através de um close-up no celular de Margot, mas cujo impacto é neutralizado pelos erros do filme.
Abandonando qualquer vislumbre de realidade e lógica, a conclusão de Cat Person desmascara as falhas da diretora e roteirista antes maquiadas pelo poder inerente à criação de Roupenian. Através de decisões cada vez mais inexplicáveis, o filme se perde numa tempestade de reducionismos e exageros. Se no texto original as diversas maneiras de ler um gesto ou frase deixavam as revelações mais potentes, aqui temos uma adaptação totalmente focada em segurar nossa mão até esvaziar cada momento possivelmente interessante desse potencial.
1.5/5

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