Cobra Kai enfim se assume como “novelão com porrada” na quinta temporada, mas fórmula dá sinais de cansaço

Cobra Kai enfim se assume como “novelão com porrada” na quinta temporada, mas fórmula dá sinais de cansaço

Produção da Netflix abraça o ridículo de forma autoconsciente e diverte no processo, mas falta de rumo cobra seu preço

Bruno Silva
12 de setembro de 2022 - 6 min leitura
Crítica


A essa altura, todo mundo já percebeu, mas não custa nada relembrar: Cobra Kai, gradualmente, deixou de ser apenas uma continuação inusitada para a história de Johnny Lawrence (William Zabka), o antagonista até então esquecido do Karate Kid original, até se transformar praticamente em uma série teen com artes marciais. Efeito inegável causado pela (muito bem-sucedida, diga-se de passagem) migração da série da finada divisão de conteúdos originais do YouTube para a Netflix.


Depois de duas temporadas tentando esconder sem muito sucesso a própria natureza, Cobra Kai finalmente se assumiu como esse “novelão com porrada”, exacerbando todos os seus pontos fortes exibidos nos últimos anos. Mas, tal qual um lutador de artes marciais superando seus limites em uma luta exaustiva, os sinais de cansaço já estão aí para quem quiser ver.


O quinto ano se inicia com boa parte do elenco curando as cicatrizes do desfecho traumático do torneio de karatê All-Valley, no qual a sobrevivência dos dojos de Daniel (Ralph Macchio) e Johnny estavam em jogo. A vitória de Tory (Peyton Nichols) deu fôlego a uma expansão ainda maior do Cobra Kai, agora totalmente nas mãos do cada vez mais inescrupuloso Terry Silver (Thomas Ian Griffith).


O núcleo adulto de Cobra Kai ganha grande prioridade na quinta temporada, já que a vitória do Cobra Kai coloca os vários senseis em estado de reflexão. Obcecado em desmascarar Terry Silver, Daniel é um dos destaques da temporada, dando a Ralph Macchio uma rara oportunidade de desenvolver melhor a interpretação de seu personagem mais famoso.


É do núcleo de Daniel que surge uma das mais gratas surpresas do novo ano: a adição integral de Chozen (Yuji Okumoto), o rival de Daniel em Okinawa de Karate Kid II. O sensei japonês protagoniza alguns dos melhores momentos destes novos episódios, seja nas cenas de ação, seja no humor involuntário de sua personalidade inflexível perante as situações de conflito ou no treinamento com os alunos do Miyagi-Do.


Mas, sem sombra de dúvida, o principal destaque acaba ficando por conta de Terry Silver. Com plenos poderes e uma rede de dojos se espalhando pelo Vale, o antagonista é a grande atração da quinta temporada, transformado pelo roteiro em um misto de vilão de videogame e novela, com direito a um grupo de senseis secundários que faria inveja a um vilão de Street Fighter ou The King of Fighters. Uma mistura de Geese Howard com a Nazaré de Senhora do Destino.


A transformação de Silver é, também, onde é mais perceptível a maneira como a série abraça a própria galhofa. Surgindo em situações inesperadas e cercado de capangas o tempo todo, o dono do Cobra Kai força conflitos e faz os protagonistas irem por caminhos com resoluções ridículas, mas tudo é feito de uma forma tão autoconsciente que o espectador as compra com facilidade — você vai dar risada do sensei com tapa-olho ou de algum diálogo engraçadinho que precede a porrada, mas também vai se emocionar e se divertir.


Por incrível que pareça, esse festival cafona também dá margem a um desenvolvimento interessante vindo de locais inusitados, como o próprio Johnny Lawrence, que precisa mudar seu comportamento e encarar a vida adulta diante de uma grande surpresa, e o próprio Kreese (Martin Kove), obrigado a ficar de frente com os próprios fantasmas durante sua estadia na prisão.


Por outro lado, o núcleo teen da série, que ganhou bastante espaço com as duas temporadas da série sob a batuta da Netflix, agora fica em segundo plano, com tempo reduzido em tela e conclusões de arco muito apressadas. As maiores vítimas disso acabam sendo Miguel (Xolo Maridueña) e Sam (Mary Mouser), que veem seus conflitos internos serem resolvidos sem cerimônia e deixando muito a desejar.


Em uma tentativa de agregar este lado do elenco ao grande conflito de dojos travado pelos personagens adultos, ganham espaço os personagens mais comprometidos com o karatê: no atual momento, como Kenny (Dallas Dupree Young), introduzido na quarta temporada, e a própria Tory, cuja permanência no Cobra Kai é envolta em um jogo duplo perigoso.


No meio de evoluções e retrocessos nas situações de cada personagem e do cenário de karatê no Vale, o lado “novela” que Karate Kid assumiu depois de desembarcar na Netflix começa a cobrar seu preço, já que a quinta temporada, apesar de trabalhar bem o suspense sobre parte de seu elenco com boas sacadas de roteiro, mexe muito as peças do tabuleiro para ficar mais ou menos no mesmo lugar, entregando uma situação parecida com o ano anterior, tal qual Stranger Things.


Depois de se encontrar como um hit inesperado em uma das maiores plataformas de streaming do mundo, Cobra Kai divertiu, emocionou e surpreendeu em cada uma de suas três temporadas pós-mudança de empresa. No entanto, seja pela mudança de formato com a chegada ao YouTube, seja pelo ritmo frenético da produção, que entregou duas temporadas em um ano só durante 2021, a fórmula começa a se desgastar. A série precisa começar a ir a algum lugar caso queira se manter no topo.

Nota da Crítica
Bruno Silva

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