Bird: Barry Keoghan e Franz Rogowski emocionam em comovente conto de amadurecimento

Bird: Barry Keoghan e Franz Rogowski emocionam em comovente conto de amadurecimento

O filme de Andrea Arnold foi exibido no Festival de Cannes

Guilherme Jacobs
17 de maio de 2024 - 7 min leitura
Crítica

Frequentemente, Bird reenquadra suas imagens dentro de uma nova moldura. Os elementos do novo filme de Andrea Arnold estão quase sempre emoldurados por uma espécie de tela-dentro-da-tela formada por coisas como janelas, grades, espelhos e, claro, telas de celular com a câmera aberta. Segurando o smartphone está Bailey (a ótima estreante Nykiya Adams), menina de 12 anos que mora com o irmão Hunter (Jason Buda), de 14, e seu pai Bug (Barry Keoghan), que não era muito mais velho que ambos filhos quando os teve.

De poucas palavras, olhar curioso e temperamento explosivo, a menina está passando por um bocado. A entrada na puberdade já se manifesta com o sorriso tímido para garotos da vizinhança e a primeira menstruação, e enquanto lida com esse coquetel de emoções, ela precisa encarar o casamento vindouro de seu pai com Kayleigh (Frankie Box), e a entrada da madrasta e uma nova bebê em sua vida. Talvez por isso ela goste tanto de observar, especialmente através de uma lente, outros mundos. Seu alvo favorito são criaturas aladas como borboletas, abelhas, e especialmente pássaros. Quando ela cruza o caminho do que só posso descrever como um manic pixie boy chamado Bird (inglês para pássaro) e interpretado por Franz Rogowski, sua curiosidade dispara, e ela não resiste a ideia de segui-lo e filmá-lo.

Metáforas nunca são sutis em Bird, e o desejo da menina de abrir as asas para fugir é manifestado pela câmera (do filme e da personagem) constantemente, culminando numa sequência que bebe da fantasia para sublinhar, até demais, as ideias expostas por Arnold. Mas eu estou me adiantando. Antes de chegar nisso, Bird faz um excelente trabalho de construir a realidade de Bailey e as figuras ao seu redor, alegres apesar da pobreza contra a qual lutam diariamente. A direção cria o sentimento de um mundo rico e vivo, com múltiplas histórias em curso a todo tempo. Não é à toa que a menina tem pinta de cineasta.

O texto responde a isso com núcleos coadjuvantes envolvendo ambos Hunter e Bug, e o sucesso destes varia. O irmão dela, parte de uma gangue que ataca valentões abusivos no bairro e, num toque de Bastardos Inglórios, os marca com um ‘X’ na testa, se vê diante de uma paternidade semelhante a do pai quando a namorada surge grávida. Enquanto isso, para pagar pelo casamento, Bug adquire um sapo cuja secreção é alucinógena e passa dias tentando fazer o animal produzir o suficiente para pagar pela festa. Se a narrativa do irmão nunca recebe o cuidado devido por parte de Arnold e sofre com um ator mirim ainda verde demais — diferente de Adams, impressionante em sua naturalidade —, então a do pai é sempre um deleite. Keoghan não parece ter qualquer dificuldade para encontrar o equilíbrio certo entre o lado carismático e o destrutivo do personagem, e jamais nos faz acreditar que, apesar de suas muitas falhas, ele não ama os filhos com ardor.

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Mas não há emoção mais forte no longa do que a amizade e companheirismo forjada entre Bailey e Bird, que retorna a Londres pela primeira vez em anos na busca por seus pais, de quem foi separado ainda na infância. Talvez pelo que passou em sua própria vida domiciliar — Arnold eventualmente nos leva à casa da mãe da menina, e esta faz o cortiço de Bud parecer o melhor lar possível — ou talvez pela simples atração por uma narrativa diferente e uma figura de tanta leveza, Bailey decide ajudá-lo e acompanhá-lo nessa procura. No processo, Rogowski — um ator que sabe potencializar a estranheza particular de seu corpo, rosto e voz — é puro magnetismo, um feito necessário para nos convencer da obsessão da menina. Ficamos igualmente presos por seu feitiço.

Em particular durante uma tarde com os irmãos mais novos de Bailey, filhos de sua mãe com outros homens, Bird vira uma montanha russa emocional. Arnold não se resguarda de usar músicas, inclusive as mais melosas possíveis (o maior milagre desse filme é se safar com o uso de “Yellow” de Coldplay), e combinar isso com a fotografia de alto contraste de Robbie Ryan, o que resulta numa mistura agridoce adequada para um filme sobre como é possível encontrar alegria nas coisas mais banais se soubermos onde olhar.

É no fim desse dia que vem o toque fantasioso mencionado acima. É irresponsável entrar nas minúcias do momento, que funciona num nível emocional devido ao envolvimento que criamos com Bailey e Bird e pela criatividade visual de um design em particular, mas a cena eventualmente foge do controle de Arnold. Fica a impressão de que as já óbvias analogias de Bird foram sublinhadas de maneira estranha (na minha sessão, risadas acompanharam uma certa imagem), ainda que Arnold resgate o filme com um epílogo tocante.

Há mais um breve tempero de fantasia nessa conclusão, que envolve mais uma marcante sequência de dança para o ator de Saltburn, e que termina com um campo perfeito. É um close mais bem-sucedido no balanço da imaginação e do verossímil através do qual Arnold destaca o principal poder de sua personagem principal. Está tudo nos olhos dela.

Nota da Crítica
EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Guilherme Jacobs

Bird

Drama
1h 59min | 2024
criticabirdbarry-keoghanfestival-de-canneschippu-originalsfranz-rogowskiguilherme-jacobs

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