Madame Teia desperdiça elenco com história medíocre
Filme conta a história de origem de personagem obscura do universo da Marvel nos quadrinhos
Crítica
Madame Teia não esconde de ninguém a necessidade de explicar a sua existência. Na primeira cena, a mãe da protagonista troca palavras com o futuro vilão do filme para explicar em minuciosos e inexplicáveis detalhes o motivo pelo qual procura aranhas na Amazônia - sendo que, ao que tudo indica, ele é o cara responsável por ter levado ela até o local. A explanação continua por todas as quase duas horas, sem quase nenhum respiro para desenvolvimento dos personagens, chegando ao ponto de colocarem na camisa de uma moça a frase “Eu como Matemática no café da manhã”. Para você não esquecer, caso tenha perdido qualquer fala dela em demonstrar inteligência acima do normal, que ela é a pessoa mais esperta do roteiro.
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Convenhamos, não é como se esse tipo de didática não fosse recorrente em Hollywood, especialmente em filmes de super-heróis. O problema com Madame Teia, porém, é que em nenhum dos outros quesitos para se construir uma história satisfatória há êxito - até mesmo na possibilidade de explorar o ridículo que a própria protagonista, vivida por Dakota Johnson, parece entender que está vivendo. Infelizmente não há senso de humor nem para isso, apenas para as piadas batidas entre adolescentes ou uma suposta adulta que não quer ter família, mas de repente encontra em três garotas o motivo para novamente viver.
O roteiro, escrito por quatro pessoas, entre elas a diretora SJ Clarkson, conta a origem da heroína. Nos quadrinhos, Cassandra Web é uma espécie de vidente do universo Marvel, no filme, uma paramédica que após um acidente começa a ver o futuro e se envolve numa trama para salvar três adolescentes de um Homem-Aranha do Mal. Como é mostrado em todas as prévias e trailers, o vilão é um cara conectado com o passado de Cassie, já que conheceu a mãe dela na Amazônia em uma exploração para procurar aranhas, digamos, especiais. Tanto o desenvolvimento quanto o desfecho de Madame Teia segue o padrão dos longas de quadrinhos vistos desde sempre, a execução, porém, lembra os projetos que falharam em pavimentar o crescimento do gênero, como Mulher-Gato ou Elektra. E o que é mais trágico é que ele sequer se diverte com estes absurdos, tal qual Morbius o fez, colocando vilões para fazer striptease e heróis com hadouken de morcego.
A ausência de qualquer sutileza no texto dá pouquíssimo espaço ao ótimo quarteto, formado por Isabela Merced, Sydney Sweeney, Celeste O’Connor e Johnson. Montadas em figurinos que evidenciam as personalidades tal qual personagens de Power Rangers, onde a Rosa só veste Rosa, e o Vermelho de Vermelho, as mulheres simplesmente são objetos de uma narrativa que as trata como veículos de explicações, e não de uma história ou trajetória de personagem. Johnson, como Cassie, tem o maior tempo de tela para tentar se agarrar ao mínimo de contexto para os passos que levam Madame para uma jornada de transformação, mas também não escapa do roteiro e direção bagunçados.
Clarkson tenta compensar a falta de ação com uma fotografia que abusa de closes e quadros de cabeça para baixo, alguns flashbacks absortos em filtros e CGI, mas não é o bastante para que as duas horas não se arrastem. O curioso, porém, é que o longa parece realmente confiar na ideia de explicar por inúmeras vezes cada um dos conceitos apresentados, relegando o climax a uma sucessão de acontecimentos tão rápidos que o encerramento soa quase como uma obrigação - já que tanta explicação foi feita, melhor entregar (explicando de novo os poderes da Madame) tudo que falamos nos últimos 120 minutos.
Será fácil dizer que Madame Teia é “mais um” exemplo de filme de herói fraco, outro projeto que evidencia o desgaste do gênero - e talvez ele o seja, mas aqui a receita de multiverso, conexões ou piadas incessantes não é a ordem. O fato é que, além de estar muito abaixo até dos piores exemplos recentes, este aqui é um filme que, mesmo interessado em apresentar novos personagens, se embaralha com as próprias pernas, sem precisar de um empurrão do desgaste deste formato. O melhor mesmo é fazer como uma das médicas do filme que sugere à Cassie “uma semana de folga, assistir a uns filmes velhos e depois voltar”. Um conselho que caberia para grande parte dos produtores de filmes de herói na atualidade.