Motel Destino: Neo-noir brasileiro tem ótima atmosfera e execução irregular

Motel Destino: Neo-noir brasileiro tem ótima atmosfera e execução irregular

O filme de Karim Aïnouz teve sua estreia no Festival de Cannes 2024

Guilherme Jacobs
23 de maio de 2024 - 6 min leitura
Crítica

Dá pra perceber como Karim Aïnouz queria voltar para casa. Seja fisicamente, voltando a rodar no seu estado natal do Ceará, ou seja tematicamente, novamente voltando sua câmera para pessoas nas margens da sociedade repletas de desejo e ansiedade. Tudo isso está em tela em Motel Destino, o irregular mas cativante neo-noir que dá ao diretor brasileiro a chance de matar todas essas vontades.

Depois de focar em reis e rainhas nas terras frias no competente, mas inerte, Firebrand, Aïnouz abre Motel Destino, com uma fotografia super saturada que faz o céu e o mar mais azuis, as areias mais brancas e as árvores mais verdes, com dois irmãos suados, na praia, brincando de capoeira. É como se seu cinema soltasse um suspiro. Um deles, Jorge, está prestes a virar pai, e questiona se virar tio será suficiente para manter Heraldo (Iago Xavier) por lá. Ele quer se mudar para São Paulo, onde dizem que seu pai, supostamente morto, foi visto, e deixar a vida de crime para trás.

Num dos vários divertidos toques de gênero inseridos por Aïnouz na história, Heraldo precisa fazer, ao lado de Jorge, um último trabalho para a chefona local se quiser ser liberado, mas perde a hora do serviço depois de passar uma noite de bebedeira e sexo com uma mulher local que, para piorar, leva todos os seus pertences. O seu irmão encarou a bronca sozinho, e terminou morto. Caçado, ele decide fugir. Mas sem dinheiro ou documentos, a estrada fica pra depois, e ele busca refúgio no tal motel. Então, Motel Destino se torna quase um suspense erótico de um lugar só.

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Gerido pelo intenso e perigoso Elias (Fábio Assunção) e por sua esposa, a risonha Dayane (Nataly Rocha), o motel não é o tipo de lugar para onde alguém vai na busca de uma noite inesquecível, e sim o tipo de espelunca de estrada para onde a comunidade local corre pela falta de opções, ou porque estão bêbados, ou porque lá sai mais em conta. O trabalho de Marcos Pedroso no design de produção, particularmente com a iluminação neon que banha os quartos num vermelho infernal, faz do motel um lugar instantaneamente marcante, e onde a trilha sonora — gemidos constantes que por vezes parecem gritos — evoca prazer e desespero.

A construção de atmosfera é o grande feito de Aïnouz em Motel Destino, um filme que parece ter observado o uso de músicas techno e cores fortes presentes nos noirs modernos como Bom Comportamento e Apenas Deus Perdoa para nos colocar em estado de feitiço. Há uma certa suspensão da realidade. Entrar no Motel Destino de Motel Destino é dar alguns passos em direção ao surrealismo, ideia reforçada pelo diretor com leves pitadas de horror através de flashes de animais, cadáveres e ilusões.

Em contrapartida, explorar os personagens que ali trabalham é problemático para o filme. Rocha e Assunção conseguem encontrar camadas a mais em seus papéis, uma tarefa que se prova mais difícil para o novato Xavier. Como resultado, Motel Destino oferece poucas ideias sólidas de suas personalidades, medos e desejos, e tem dificuldade para justificar as motivações de algumas decisões. Isso simplesmente não está entre as prioridades do diretor, o que torna difícil comprar, por exemplo, o romance perigoso que surge entre Heraldo e Dayane. A ambientação parece aflorar neles um desejo sexual forte demais para resistir, e Aïnouz está mais do que disposto para pausar toda a progressão e colocar em tela os encontros quentes entre os dois. Para seu crédito, o diretor não filma nada disso com olhar pornográfico. Eles são atrapalhados. Ninguém está posando. São pessoas.

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Seria mais fácil nos convencer dessa relação, porém, se ela fosse algo puramente físico. Quando os dois começam a falar sobre uma união formada pelo destino, e passam a arriscar tudo por conta disso, o que no caso de Heraldo significa abandonar a ideia de fugir e viver em constante risco, fica mais difícil. E se não investimos nisso, tampouco investiremos na tensão de suas circunstâncias. Para ser justo, Aïnouz parece simplesmente não ter vontade de gastar tempo nisso. Contudo, dado o sucesso do clima que ele cria, e o esforço em fazê-lo, é difícil não ficar frustrado quando Motel Destino não consegue aumentar o grau de ansiedade e frenesi.

Isso se agrava quando, claro, Elias descobre a traição da mulher e Motel Destino precisa encenar uma conclusão violenta envolvendo o trio. Falta criatividade na hora de levar o embate ao máximo, e o encerramento aquém do que foi sugerido durante toda a obra deixa uma sensação de timidez onde devia haver um estouro. Fica, novamente, a impressão de que Aïnouz não está muito interessado nas convenções do noir, do suspense e até no filme de beira de estrada. Seu coração pulsa pelo exame do sexo como movimento e ação. Se assim for, tudo bem, só que ele é tão eficaz nos pilares do gênero, que é impossível não desejar que ele tivesse continuado a investir neles.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs

Motel Destino

Suspense
0h 0min | 2024
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