Dinheiro Fácil transforma caso da GameStop e Wall Street em Robin Hood da Era Reddit
Com excelente atuação de Paul Dano, filme de Craig Gillespie descomplica linguagem do mercado de ações com humor e excelente montagem
Crítica
Em 2021, milhares de pessoas lideradas pelo usuário do Reddit e YouTube Keith Gill, conhecido na internet como Roaring Kitty, compraram ações da GameStop em Wall Street. Primeiro, o intuito era ganhar dinheiro com as ações subvalorizadas, depois virou um movimento contra os fundos de investimento que ganham dinheiro ao custo da destruição de empresas no mercado - primeiro eles compram a companhia e, depois de sugar todo o lucro possível, dissolvem tudo para assim investir numa nova aposta. Em suma, esse é o motivador principal da história de Dinheiro Fácil (Dumb Money), novo filme de Craig Gillespie (Eu, Tonya), que foi exibido no Festival de Toronto 2023.
Para promover esse tipo de filosofia, os fundos fazem o chamado 'short selling', que consiste basicamente em especular em cima de uma ação que eles não possuem, fazer o preço dela cair e assim ganhar dinheiro nessa operação. Toda essa linguagem e métodos são transformados em um engraçado, trágico e envolvente conto de Robin Hood moderno, protagonizado por Paul Dano na pele de Gill. Ainda que emule o didatismo de A Grande Aposta e outros filmes sobre bolsa de valores, Dinheiro Fácil está menos preocupado com as especificidades do assunto e mais focado no movimento popular gerado pelo pensamento de Kitty, que é ex-funcionário de uma firma de investimentos.
A tarefa cai nos ombros de Dano, que a executa com louvor e de forma muito distante de seus papéis recentes ou aclamados, como o Charada de Batman, o assassino de Os Suspeitos e o pastor de Sangue Negro. Aqui, ele se despe da caricatura do youtuber e, ao lado da família, cria uma personalidade tão comum para Gill que torna o carisma e magnetismo do personagem palpável. E tal feito é crucial para o longa de Gillespie funcionar, já que o Robin Hood da questão é o próprio Dano, sempre acompanhado por "comparsas" de conexão semelhante, como o irmão vivido por Pete Davidson ou a esposa interpretada por Shailene Woodley.
Do lado dos magnatas, o roteiro de Lauren Schuker Blum e Rebecca Angelo, baseado no livro The Antisocial Network, de Ben Mezrich, segue o padrão de não ser inebriado pela afetação característica dos ricaços de Wall Street. Seth Rogen, Vincent D'Onofrio e Nick Offerman compõe o trio de bilionários na medida certa entre o ridículo e o ameaçador, moldando o antagonismo quase impalpável que o mercado de ações tem hoje em dia - caso fossem palhaços ou puramente vis, talvez a maldade que de fato existe neste sistema se passasse como coitadismo. Não é o que acontece justamente pelo bom trabalho de direção de Gillespie ao lado da montagem ágil de Kirk Baxter, que repete o incrível trabalho de A Rede Social, pinçando perfeitamente depoimentos reais com interações fictícias que ilustram o impacto do movimento liderado por Gill.
O jeito como Dinheiro Fácil consegue se equilibrar entre as loucuras do Reddit, atestar suas falhas e, ao mesmo tempo, falar sobre a importância de movimentos que se iniciam no digital e movem pilares da sociedade no mundo real é admirável. Montar esse cenário tão abstrato é um feito, especialmente porque não se baseia só nos memes criados pelo caso ou mesmo nas tragédias familiares que causou, e sim na complexa relação que a sociedade tem com lucro e qualidade de vida. O fato de soar simples e quase banal é literalmente o que faz o filme de Gillespie ser interessante, tanto quanto quem aceita com naturalidade a imposição do sistema que mantém os bilhões nos mesmos bolsos desde sempre.