Divertida Mente 2 repete a sensibilidade emocional do original com uma dose de Ansiedade
Menos criativa mas igualmente perspicaz, continuação traz novas emoções para a mente de Riley
Crítica
Há muita Ansiedade em Divertida Mente 2. Para a Pixar, esse lançamento está se mostrando um divisor de águas que pode alterar o futuro do estúdio. Para fãs do original, provavelmente o último grande clássico original da casa, há o risco de algo aquém do esperado. E para Riley — a menina cuja mente serve de palco para as aventuras de Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho e que agora entra na temida adolescência — essa é a principal nova emoção.
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Dublada em português por uma competente Tatá Werneck, Ansiedade surge na cabeça dela pouco depois do alarme de puberdade, instalado no fim do primeiro filme, estourar com força total. Ela vem acompanhada de Inveja, Vergonha e Tédio e serve não só de antagonista e agente do caos para o quinteto que, até então, controlava totalmente o coração de Riley, mas até como ritmo para toda a história. Semana passada, o diretor de fotografia de Divertida Mente 2 disse que a Pixar observou Jóias Brutas — um filme que eu descrevi como a melhor representação da vida no Século 21 por conta de sua natureza ansiosa — na hora de construir uma experiência de inquietação. Dadas as devidas proporções, a comparação tem méritos.
O diretor Kelsey Mann, substituindo o insubstituível Pete Docter, está mais do que disposta a nos deixar desconfortáveis enquanto narra os primeiros passos de Riley na sua nova fase. Agora a principal jogadora de seu time de hockey, ela vive um turbilhão de emoções (literalmente) quando é chamada para treinar com a equipe do colegial e, em paralelo, descobre que suas melhores amigas estão trocando de escola. Da noite pro dia, sua vida é novamente jogada num mar de incertezas. Se o filme de Docter identificou na simplicidade emocional de uma criança nas reações imediatas à mudança para uma nova cidade a forma de abordar o misto de sentimentos que todos nós enfrentamos no viver, o filme de Mann tenta abordar as complexidades de quem começa a aprender que processos como esses nunca acabam.
Para Riley criança, havia apenas a Tristeza do passado perdido. Aos 13 anos, Riley começa a se preocupar com o que ela pode perder no futuro. Entra a Ansiedade. Não há muito em jogo em Divertida Mente 2 (nenhum acontecimento aqui é tão triste quanto a morte de Bing-Bong ou de partir o coração como o apagar do semblante de Riley no ônibus), mas Mann corretamente entende que, quando nos sentimos ansiosos, qualquer situação pode ser o fim do mundo. Isso, claro, é potencializado numa adolescente. Numa das primeiras sacadas inteligentes do longa, vemos como cada uma das velhas emoções fica mais forte conforme Riley passa por sua explosão de hormônios, e quando o novo quarteto entra em cena, a intensidade chega a outro patamar.
Na prática, assim como Alegria e Tristeza foram as únicas personagens bem-trabalhadas do original, só Alegria e Ansiedade tem qualquer relevância na sequência (penso que, em inglês, Ayo Edeberi deve ajudar Inveja a se destacar), e essa não é a única semelhança entre os dois filmes. Durante boa parte de sua duração, Divertida Mente 2 está contente em repetir o modelo do anterior, inclusive no formato de sua narrativa, outra vez centrada num grupo de emoções que precisa encontrar o caminho de volta para o Centro de Controle da menina antes que ela faça algo do qual se arrependerá.
É um tanto quanto inevitável dado o formato do mundo, mas o formato fica repetitivo mesmo que Mann e os animadores consigam inserir bastante criatividade no visual (a Pixar nunca esteve tão confortável fugindo do 3D quanto aqui) e na conceitualização do interior de Riley. Há figuras dignas de risadas como uma Pochete animada (você vai entender) e ambientes repletos de invenções curiosas como o cofre de segredos, mas o nosso segundo passeio pela cabeça Riley revela uma busca constante por algo tão memorável, engraçado e significativo quanto Bing-Bong e a Terra da Imaginação foram no longa anterior. Não faltam ideias — algumas, como Lance Slashblade, uma cópia barata de Cloud Strife de Final Fantasy VII, são ótimas — mas a aplicação da maioria delas na lógica do filme tem menos a dizer.
Bing-Bong desaparecer, no original, representou o doloroso fim de uma época quando imaginávamos mais. É uma combinação profundamente poderosa de um conceito e significado ausente na maior parte de Divertida Mente 2, com uma importante exceção que leva o filme à seu maravilhoso desfecho. Logo no começo, somos apresentados às raízes de Riley, uma série de convicções que a jovem tem sobre si mesma. Estas são as conclusões que ela tirou com base nas emoções que tingem cada uma de suas memórias, e quando Ansiedade toma o controle, sua primeira decisão é arrancar tudo isso para plantar novas sementes.
Com a desculpa de querer o melhor para ela, afinal planejar nunca é demais, Ansiedade representa o desequilíbrio que vem quando deixamos nossas emoções tomarem conta de nós sem reservas. Isso deixa a reta final de Divertida Mente 2 genuinamente enervante, um testamento para o trabalho de Mann não só com as emoções, mas com a própria Riley, por quem nos importamos bastante. Por isso ela consegue encerrar sua obra com duas propostas cuja sensibilidade rivalizam com o inesquecível surgimento da lembrança bicolor do filme de 2015. Assim como Docter nos levou às lágrimas ao colocar em tela a verdade de que um momento pode ser, ao mesmo tempo, feliz e triste, Kelsey Mann levanta duas descobertas igualmente maduras e comoventes.
A primeira é que certas certezas (“eu sou uma ótima amiga,” “eu sou uma pessoa legal”) inofensivas na infância perigam se tornar insuficientes, ou até arrogantes, quando entramos numa fase que requer mais maturidade nos relacionamentos, inclusive para admitir nossos defeitos. A segunda, e talvez a mais importante para um eventual terceiro filme (muito provável dadas as prioridades da Disney), é que em determinado ponto de nossa vida, precisamos deixar de ser levados por nossas emoções, e passar a buscá-las, ou gerenciá-las, ativamente. Essa observação iguala (ou submete) Alegria a Riley, e mostra o interesse de Divertida Mente em ser ir além de uma coleção de personagens bonitinhos, para oferecer uma análise lúdica, mas profunda, do ser humano.