Drácula: A Última Viagem do Deméter naufraga sem qualquer chance de assustar
Assim como seu monstro, nova adaptação da obra de Bram Stoker não tem coração
Crítica
Algumas ideias soam imediatamente apetitosas, e "Drácula num barco," a proposta extrapolada para o filme A Última Viagem do Deméter, é uma delas. O formato, claro, se encaixa dentro de linhas conhecidas de histórias de monstros, quando uma tripulação pequena está presa num espaço fechado e precisa lidar com uma criatura muito mais poderosa e assustadora. Desde que Alien mostrou o caminho em 1979, a ideia foi replicada e reutilizada até chegar, pelas mãos do diretor André Øvredal, em "Drácula num barco."
Baseado no mais curto capítulo da obra-prima de horror gótico de Bram Stoker, um breve mas assustador diário de bordo mantido pelo capitão do Deméter que é descoberto quando a embarcação encalha no litoral de Londres sem ninguém vivo. Trata-se do navio que trouxe o temível Conde da Transilvânia para a Inglaterra, e à primeira vista, o tipo de coisa perfeita para se cortar em adaptações para o cinema (tanto é que a maior parte delas descartado inteiramente com a jornada). Apesar de ocupar poucas páginas no livro, este é o trecho mais recheado de mortes em toda a história, talvez a razão pela qual o roteirista Bragi Schut Jr. está tentando colocar essa adaptação para frente há quase 30 anos em Hollywood, enfim conseguindo (ao lado de Zak Olkewicz).
Mas talvez Stoker tenha dispensado uma exploração mais cuidadosa dos acontecimentos em alto mar por uma razão. É de praxe dizer que em terror, "menos é mais," e assistindo à genérica, pouquíssimo assustadora e nada envolvente versão da história agora em cartaz, é difícil argumentar contra essa sabedoria popular. Talvez haja uma forma de fazer jus ao conceito. Há filmes de vampiro e filmes de barco o suficiente para entendermos porque alguém olharia para o Deméter como Drácula olha para um pescoço descoberto. Deve haver como combinar os dois de maneira intrigante, mas esse filme não consegue.
A expansão do texto de Stoker envolve caracterizar (mais ou menos) os vários tripulantes do Deméter, em especial o capitão Eliot (Liam Cunningham), o marinheiro Wojcheck (David Dastmalchian, surpreendentemente pouco creppy), e o médico Clemens (Corey Hawkins, o único negro do elenco, fato que o filme faz questão de destacar algumas vezes). Há, também, Woody Norman como Toby, neto do capitão e facilmente confundido com qualquer criança de filme de terror moderno. Numa noite tempestuosa, o grupo encontra uma mulher chamada Anna (Aisling Franciosi) quase sem sangue no porão, e à sua volta estão animais claramente dilacerados. Os marujos olham para aquilo e decidem: foi a raiva.
Esse tipo de decisão questionável voltará para assombrá-los quase tanto quando o próprio Drácula, que eventualmente é visto como um homem-morcego pálido e alto, com olhos embaçados e dentes afiados. A criatura, feita primariamente com efeitos práticos, ganha vida com o design imediatamente marcante de Göran Lundström — claramente inspirado por A Hora do Vampiro de Tobe Hooper, assustadora adaptação da obra homônima de Stephen King e Nosferatu— e os movimentos de Javier Botet, ator especializado em viver personagens como este.
É uma pena que o olhar de Øvredal não aproveite o impacto visual de seu Drácula. Quaisquer imagens marcantes que o diretor consiga compor, e não há muitas, é rapidamente levada pelas ondas de uma montagem frenética, com cortes agitados e frequentes, e pela falta de vida na fotografia de Tom Stern, incapaz de dar personalidade ao navio, assim desperdiçando um set construindo com ambição e cuidado. O diretor se vê aquém da tarefa de estabelecer a atmosfera opressora que busca, e essa inércia eventualmente remove o peso até mesmo do vampiro titular.
O design é, afinal, o primeiro passo. Drácula é uma das grandes criações do horror não só pela descrição inesquecível (em Deméter, vemos apenas sua versão morcego), mas também pela miríade de significados que passou a ter ao ser interpretado de diversas formas no último século. De monstro clássico do cinema com o marcante olhar de Bela Lugosi às icônicas aparições de Christopher Lee, passando pelo erotismo do filme de Francis Ford Coppola e, antes disso tudo, como uma alusão à praga na melhor adaptação da história até hoje: Nosferatu de F.W. Murnau. Aqui, ele é uma fera violenta, mas quando os personagens o descrevem como uma encarnação do mal, nada no roteiro ou direção ajudam a justificar isso.
Ainda assim, A Última Viagem do Deméter poderia ser um bom filme de monstro e uma adaptação fraca de Drácula, mas para isso, as mortes e ataques (dos quais só um é realmente impressionante) precisavam de vítimas bem-desenvolvidas, das quais não há nenhuma. Hawkins não tem carisma para carregar o holofote, e sua caracterização é eventualmente reduzida a um discurso superficial sobre racismo e vida que mais parece uma tentativa desesperada de conferir ao protagonista alguma característica primária. Seus coadjuvantes não ajudam. Cunningham é reduzido a uma cópia de seu estoico Sir Davos de Game of Thrones, e Dastmalchian e Franciosi ficam presos com papéis rasos. Os outros tripulantes do Deméter podem ser facilmente descritos como Homem Barbudo #1, #2 e #3.
Destes nada memoráveis homens (e uma mulher) sai muito sangue, já que Øvredal não poupa esforços na hora de mostrar violência, mas não há coração batendo em por baixo da pele pálida e fria de Drácula: A Última Viagem do Deméter. Seu vilão pode estar obcecado pela essência da vida, mas este filme foi drenado dela. Pelo menos ele é melhor que o outro péssimo filme de Drácula lançado pela Universal este ano.
1.5/5