Fale Comigo traz fórmula clássica de terror para modernidade brutal e divertida
Dirigido pelos irmãos Philippou (RackaRacka), terror adquirido por A24 tem visuais horripilantes
Crítica
A premissa de Fale Comigo soa como algo que você já viu um milhão de vezes. Um grupo de adolescentes descobre um objeto amaldiçoado e começa a brincar com forças desconhecidas, o que eventualmente os coloca em situações assombrosas que podem custar suas vidas. É Ouija, é o jogo do copo, é, aqui, Fale Comigo. O filme dos gêmeos australianos Danny e Michael Philippou, cujo canal RackaRacka é uma sensação no YouTube, é menos sobre reinventar a roda como explorar até onde essa fórmula pode ser esticada com visuais assustadores e consequências sangrentas.
Ainda lidando com a morte (e aparente suicídio) de sua mãe, Mia (Sophie Wilde) está mais do que disposta de fazer parte dessa brincadeira perigosa para fazer novos amigos, ficar mais popular e esquecer a tristeza de seu cotidiano. O funcionamento é simples: você segura uma mão de argila, pede para que ela lhe responda e um espírito horrendo se fará visível. Caso tenha coragem, autorize sua entrada e você será possuído. Só não esqueça de pedir para alguém separar suas mãos em menos de 90 segundos, ou seu hóspede pode começar a querer virar um residente permanente.
Depois de participar pela primeira vez, Mia ganha um gosto pela aventura. Estar possessa, ela percebe, oferece uma adrenalina sem igual, e nessa óbvia alusão ao vício, a garota encontra a maneira perfeita de esquecer o luto. Jade (Alexandra Jensen), melhor amiga de Mia, tem ressalvas com a prática, mas seu irmão mais novo Riley (Joe Bird) e namorado Daniel (Otis Dhanji), um ex-paquera de Mia, estão dispostos a se arriscar e, junto com as péssimas influências Hayley (Zoe Terakes) e Joss (Chris Alosio) organizam uma festa para aproveitar a descoberta.
Não chocará ninguém saber que, eventualmente, o grupo passa dos limites e os espíritos deixam de ser objetos lúdicos. Novamente, o roteiro dos Phillippou com Bill Hinzman não foge muito do básico. Da premissa familiar à temática clara, da concepção rasa dos personagens à narrativa de trauma pouco interessante, a dupla opera com ideias conhecidas até demais, mas se destaca pela visceralidade das sequências mais maléficas.
Seja com o design verdadeiramente grotesco dos espíritos à brutalidade com a qual as possessões são encenadas, a maquiagem de Marie Princi, Rebecca Burrato, Bec Trisosi e Alexandra Swistro se mostra a principal aliada dos diretores no impacto imediato desses momentos sombrios. Junto a isso, carisma dos atores jovens enquanto riem, bebem e registram os ocorridos no Tiktok nos faz baixar a guarda. Assim, quando as risadas terminam, somos tão surpreendidos quanto os protagonistas.
Fora das reuniões, como quando Mia precisa se reconectar com seu pai (Marcus Johnson) ou quando os irmãos Riley e Jade lidam com sua mãe (Miranda Otto, ótima num papel pequeno), Fale Comigo não vai levantar os pelos de seu braço ou colocar seus sentimentos para funcionar, mas nas horas em que o sobrenatural toma conta, os Phillipou demonstram um fabuloso controle de ritmo, fluindo bem entre o bem-humorado, o triste e o perturbador.
Perdas de equilíbrio no terceiro ato ameaçam diluir a energia da direção elétrica da direção dos irmãos, mas a conclusão de Fale Comigo amarra o filme com uma ideia arrepiante e genuinamente imprevisível, concluindo o longa com um impacto que durará um bom tempo após o fim dos créditos.
3/5
Crítica originalmente publicada em 26 de janeiro de 2023 no Festival de Sundance. Fale Comigo estreia nos cinemas brasileiros em 17 de agosto de 2023.