Você sabe que um momento está vindo para Sam (Lily Collias) assim que Good One, o cuidadoso mas assustador filme de amadurecimento feminino dirigido e escrito pela estreante India Donaldson, começa. Quando a menina, cujos interesses incluem uma nova namorada e sua iminente partida para a faculdade, parte para um fim de semana de caminhada e acampamento na floresta com dois adultos, sabemos que ela sairá de lá eternamente diferente.

Sam não está exatamente empolgada para acompanhar seu pai, o divorciado e trabalhador Chris (James Le Gros), em mais uma dessas viagens, mas dentro de um ambiente familiar complicado e caótico, ela parece se sentir responsável por manter a harmonia, evitando deixar sua casa parecida com a de Matt (Danny McCarthy), um ex-ator de televisão cuja carreira só não está pior do que seu relacionamento com o filho, que desiste do fim de semana de última hora. Resta Sam, e dois homens que, de diferentes formas, irão enxergá-la como adulta pela primeira vez.

Abastecido de diálogos naturais e alguns dos papéis mais carnudos das carreiras de Le Gros e McCarthy, atores especializados em viver coadjuvantes que raramente recebem esse tipo de tratamento, Good One mantém sua câmera sempre próxima do rosto de Sam, buscando tanto observar os olhos da menina quanto observar o mundo através desses olhos. Sam já pode dirigir, gosta de cozinhar e está cansada de ser vista como garota, em especial por seu pai. Entrar no universo adulto, porém, nem sempre é o que ela espera.

O que torna o filme tão magnético é como tudo até o tal momento é tão relaxado, convidativo e calmo. O tempo na mata é repleto de conversas casuais que revelam dramas, sonhos e risos entre Chris e Sam, Chris e Matt e até Sam e Matt, com os três atores aproveitando cada segundo do ótimo texto de Donaldson para enriquecer a história de detalhes. Os dois homens são mais expressivos, mas Collias captura bem a essência de uma jovem observadora cujo interior é tipicamente mais movimentado que o exterior. Sam nem sempre sabe, ou quer, se expressar. Sua mente, porém, não para de processar o que está à sua volta.

Quando ela vem, é devastador, e é um crédito para as atuações dos três envolvidos e para o trabalho de direção de Donaldson que o momento funcione. Digo isso porque, no texto, a situação, que é desconfortável sem cair no trauma apelativo, parece mais fruto de engenharia reversa do que algo que surge no momento. É uma cena que o filme precisa criar, e mesmo se a instância específica na qual ela venha não seja trabalhada da maneira ideal, Donaldson cuida tão bem do antes e depois, que não há como negar o poder do acontecimento.

É refrescante ver como a diretora evita transformar sua personagem numa vítima, ainda que ela tenha sido o alvo de um comportamento horrível. Sam sai dessa viagem transformada, mas mais ciente de seu poder como adulta. Se Chris e Matt, homens cuja amizade é apenas uma sombra do passado, finalmente a enxergarão como adulta, então é Sam que definirá a imagem vista por eles. Como Donaldson comunica isso é o que faz os últimos minutos de Good One um ponto de exclamação importante, e garante o filme como um dos melhores do Festival de Sundance 2024.

Crítica escrita em 26 de janeiro de 2024 durante o Festival de Sundance. Good One não tem previsão de estreia pro Brasil.