Hellboy e o Homem Torto convence ao trocar blockbuster por exercício de gênero

Hellboy e o Homem Torto convence ao trocar blockbuster por exercício de gênero

Ainda que por vezes repetitivo, novo filme encontra o espaço certo para o personagem

Caio Coletti
4 de setembro de 2024 - 6 min leitura
Crítica

A brincadeira sobre Hellboy e o Homem Tortonas redes sociais, pelo menos desde o lançamento do primeiro trailer e a revelação do visual de Jack Kesy como o anti-herói dos quadrinhos de Mike Mignola, é que a produção de US$ 20 milhões (uma fração do custo das outras três aventuras do personagem na tela grande) “se parece com um filme feito por fãs”. Acho curioso, antes de qualquer coisa, que entendam isso como negativo - diante da busca cada vez mais cristalina das fanbases de exercerem sua influência nos produtos hollywoodianos, porque parecer “feito por fã” é ruim? Ademais, já há muito tempo as produções fan-made perderam o estigma de baixa qualidade e se tornaram referência para o público mostrar a Hollywood o que quer dos produtos de grandes estúdios.

Essa bronca inicial com Hellboy e o Homem Torto, portanto, me parece mais um resquício de nostalgia mal direcionada em relação às versões anteriores do personagem no cinema do que qualquer outra coisa. Tanto os dois ótimos filmes dirigidos por Guillermo Del Toro em 2004 e 2008, quanto o reboot fracassado estrelado por David Harbour em 2019, tiveram que retorcer a criação de Mignola para se encaixar em um molde de superprodução de ação, transformando a aproximação de Hellboy com o terror e a fantasia em acessórios para uma trama com riscos apocalípticos que saciasse também o público do cinema de ação contemporâneo. Não é o caso aqui - O Homem Torto até tem porrada e correria, mas é largamente uma história de horror concentrada em si, na qual o que está em jogo é, no máximo, as almas dos moradores de um vilarejo.

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O roteiro, assinado por Mignola e Christopher Golden (seu parceiro criativo em várias das HQs do personagem nos últimos anos), ao lado do também diretor Brian Taylor (Adrenalina), até faz com que Hellboy esbarre com o tal vilarejo por acaso, enquanto está completando outra missão para a BPRD. Por lá, ele e a parapsicóloga Bobbie Jo (Adeline Rudolph) encontram uma dúzia de bruxas e o tal Homem Torto, um espírito que corrompe almas puras como a de Tom Ferrell (Jefferson White) em troca de uma moeda de cobre. O caso lança luz sobre o passado de Hellboy - sua mãe, afinal, também era uma bruxa - e dá um empurrãozinho para Bobbie Jo começar a mexer com feitiçaria, mas paramos por aí. O destino do mundo não está em jogo durante Hellboy e o Homem Torto, e não há nenhum raio apontando para o céu no horizonte.

O que o filme faz, no entanto, é trafegar habilmente nos chavões do folk horror, se aproveitando da ambientação (onde Judas bateu as botas, para ser bem específico) para evocar os horrores empoeirados que nascem do mais puro tédio e da desesperança de quem foi deixado para trás pelo mundo em progresso. Joseph Marcell (ele mesmo, o Geoffrey de Um Maluco no Pedaço) vive com garra um pastor cego que se transforma em combatente de demônios antes do terceiro ato, Leah McNamara (Vikings) se diverte à beça como uma paródia da bruxa über-sexualizada que é figurinha carimbada do subgênero, e o exterior durão dos personagens masculinos - incluindo o próprio Hellboy - esconde tanto feridas profundas quanto um afeto insuspeito.

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Nessa brincadeira deliciosamente vulgar, a direção de Taylor brilha. Diante da câmera do diretor de fotografia Ivan Vatsov, que engrandece cada um de seus sujeitos com uma proximidade incômoda, e sob o filtro da montagem econômica - nunca frenética - de Ryan Denmark (parceiro do cineasta na série Feliz!), Hellboy e o Homem Torto se prova um filme simples, mas nunca estúpido. Taylor e cia. sabem que o seu script tem ritmo de quadrinhos, que o seu impulso é nunca fugir de uma frase de efeito ou uma imagem impactante, e que há algo de repetitivo nos choques que ele quer aplicar. Até por isso, o diretor escolhe pontuar esses choques com uma trilha sonora intrusiva (de Sven Faulconer, de Pânico VI) e confiar que os ágeis 99 minutos de metragem impeçam que o público se irrite demais.

E, honestamente? Funciona, porque o filmeaté espicha um pouco além da conta sua sequência climática em uma casa mal assombrada, mas termina com gostinho de “quero mais”. No fim das contas, se Hellboy e o Homem Torto se parece com um filme feito por fãs talvez seja porque ele é tudo o que os fãs dos quadrinhos sempre pediram de uma adaptação de Hellboy. E, se eles estão insatisfeitos agora, bom… cuidado com o que pedir da próxima vez.

Crítica publicada originalmente no Omelete, parte, assim como o Chippu, da Omelete Company.

Nota da Crítica
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Caio Coletti

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