Hellraiser é uma adaptação divertida e subdesenvolvida do clássico de Cliver Barker - Crítica do Chippu

Hellraiser é uma adaptação divertida e subdesenvolvida do clássico de Cliver Barker - Crítica do Chippu

Menos interessado nas dinâmicas psicossexuais do original, reboot de Hellraiser tem ótimos vilões em trama batida

Guilherme Jacobs
10 de outubro de 2022 - 8 min leitura
Crítica

Em determinado ponto de Hellraiser (2022), nova versão da franquia de terror criada por Clive Barker e eternizada com o filme de 1987, o bilionário Roland Voight (Goran Visnjic) diz, em relação a Pinhead (Jamie Clayton) e os Cenobitas: "Eles não tem prazer para oferecer. Só dor." Quase acidentalmente, a frase se torna um resumo da visão do diretor David Bruckner da obra de Barker. Uma declaração reveladora. Sua perspectiva, menos voltada para o sadomasoquismo e visando mais "terror elevador", se torna cristalina no momento.

Hellraiser, de 1987, assim como sua subestimada continuação, encontram sucesso no subtexto. As atuações eram, com exceção do seminal Doug Bradley, quase cartunescas, e a trama envolvendo Kirsty e sua família jamais foi fonte de personagens cativantes. Novamente, uma exceção se faz necessária. Frank Cotton, vivido por deliciosa loucura por Sean Chapman, muito por englobar a temática psicossexual de Barker e equilibrar o exagero do terror na década com a genuinamente interessante proposta do filme. Identificando o liminar entre prazer e sofrimento através de suas criações infernais, Barker desenvolveu um argumento excelente o suficiente para compensar as falhas do resto da obra, e quando o segundo Hellraiser abre totalmente as portas para essas explorações no limite da experiência, é difícil não colocá-lo entre os mais fascinantes títulos de horror.

Tais conquistas deixam simultaneamente frustrante e compreensível a decisão de Bruckner de se afastar não só da história original como também, até certo ponto, de seus temas. Ele não poderia superar Barker. Sua visão, porém, acaba perdendo poder ao se revelar superficial. A sexualidade desvirtuada está ali, mas apenas como elemento expositivo. Não há presença estética. O design dos Cenobitas pende para o gore, deixando de lado os couros pretos dignos de BDSM em troca de mais ênfase na pele e carne, como se o diretor quisesse sublinhar a desfiguração.

Bruckner está mais interessado na dor, no trauma, na culpa. Seu filme parte da incapacidade de Riley (Odessa A'Zion) de deixar totalmente seus vícios de álcool e drogas para trás e reorganizar sua vida. O namoro com o delinquente Trevor (Drew Starkey) não ajuda, e quando os dois tentam ganhar uma grana fácil roubando um tesouro misterioso, o primeiro a pagar é Matt (Brandon Flynn), irmão da garota e primeira vítima da Configuração do Lamento que traz os Cenobitas à vida de Riley. Agora, junto com Trevor e os amigos Colin (Adam Faison) e Nora (Aoife HInds), ela precisa descobrir a verdade por trás do artefato, e o supramencionado Roland tem as respostas. Ele, porém, é dado como morto.

Vício como ponto de partida oferece um caminho com potencial. Esta é uma prática que, de fato, traz dor e prazer. Como o desejo sexual desenfreado, álcool e drogas são capazes de nos oferecer ótimas sensações com altos custos. Este instrumento, entretanto, já virou praxe dentro do terror pós-moderno moldado pela A24 e Blumhouse na última década, particularmente quando associado à já batida e cada vez mais exaustiva narrativa de trauma. Hellraiser possui um DNA mais ligado aos paralelemente hilários, pervertidos e perturbados clássicos dos anos 70 e 80, sem nunca se tornar um slasher como Halloween e Massacre da Serra-Elétrica. Este último, aliás, invoco com intenção.

A continuação lançada no começo do ano, O Retorno de Leatherface, comete erros similares, mas felizmente, Bruckner não se apoia tanto nos traumas de Riley para construir a tensão dramática. Eventualmente, ele tenta criar um equilíbrio entre a vida longe dos Cenobitas mas cheia de arrependimento, e uma que cede às tentações para, como no vício, se desligar do sofrimento

Mas na verdade, não há muito disso no novo Hellraiser. Enquanto se mostra muito capaz de construir imagens aterrorizantes e criativas em sequências assustadoras (um ataque numa van merece ser visto e revisto), Bruckner não tem muito a oferecer em termos de personagens ou atmosfera. Seu filme eventualmente se transforma num slasher povoado por personagens pouco interessantes. Como tal, Hellraiser tem boas cenas, momentos de suspense e composições inspiradas, usando bem os Cenobitas e os transformando em figuras genuinamente memoráveis logo de cara. Sua aparência pode refletir menos o sadomasoquismo da série, mas não é menos impressionante.

Mas eventualmente Bruckner se mostra incapaz de ir além. Não será surpresa ver David S. Goyer como responsável pelo argumento do roteiro de Ben Collins e Luke Piotrowski. Uma vez o principal aliado de Zack Snyder no DCEU, Goyer se interessa mais na construção de mitologia, diálogos expositivos e em construir um ponto de entrada para novatos. Assim, cabe ao diretor encontrar maneiras de elevar o texto outrora bem básico e previsível. A natureza do realizador, contudo, se revela voltada para fazer um competente longa-metragem de terror pós-moderno, com vilões impactantes e algumas sequências bem elaboradas. Em termos de psicologia e construção de um clima maior para informar todos esses momentos e adicionar camadas interpretativas a cada um deles, o cineasta deixa a desejar.

Nos resta gastar tempo com os personagens. Enquanto podemos elogiar as tentativas de Hellraiser de construir uma história humana mais eficaz que a de Kirsty, todos os membros da trama terminam unidimensionais em questões de diálogo e interações, e apenas A'Zion oferece alguma espécie de atuação mais magnética. Nesse quesito, Clayton vence de lavada. Sua interpretação como Pinhead, ancorada por um design de som que deixa sua voz arrepiante, é o maior feito do novo Hellraiser, instantaneamente diferenciando essa versão do personagem da original e justificando a abordagem inédita com uma série de falas, expressões e feitos acertados. Seu "oh, yes" numa cena climática não será facilmente esquecido.

É o tipo de atuação capaz de, sozinha, justificar mais jornadas à orla da sensação. Assim como o original, a mitologia e elementos sobrenaturais, chefiados por uma ótima versão de Pinhead, aliados a grandes sequências de mortes e terror, tornam Hellraiser divertido mesmo quando os personagens se mostram rasos ou esquecíveis. Se Bruckner encontrar temas ousados, e trabalhar com um texto que tenha algum subtexto, aí sim podemos ter novas visões deslumbrantes.

3/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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