Herege: Novo terror da A24 assusta pouco, mas diverte com Hugh Grant em seu (possível) melhor papel
Filme dos roteiristas de O Lugar Silencioso acerta na escalação do trio principal
Crítica
Ao final da sessão da premiére mundial de Herege no Festival de Toronto, os diretores Scott Beck e Bryan Woods foram questionados por uma pessoa da plateia sobre qual o gênero eles rotulariam o filme, já que ele mistura terror com comédia. Woods prontamente pegou o microfone e respondeu: é do gênero A24. A afirmação do diretor, na verdade, diz mais sobre o filme e o atual momento do gênero - que tem na A24 um de seus grandes expoentes - do que apenas uma resposta combinada em media training.
Herege tem todas as características que os lançamentos mais recentes do estúdio pedem e que ajudaram a conquistar um público cada vez mais ferrenho. Em todos os filmes da A24 no TIFF, o público já batia palmas durante a exibição da logo do estúdio, antes mesmo do filme sequer começar.
A história dirigida por Woods e Beck mostra duas missionárias tentando evangelizar pessoas em uma pequena cidade. Ninguém dá bola para elas na rua e as duas são feitas de chacota por um outro grupo de jovens. A Irmã Paxton (a ótima Chloe East) carrega um espírito mais ingênuo quando o assunto é a religião e todo o lado idílico dos ensinamentos. Já a Irmã Barnes (Sophie Tatcher) foi catequizada após um trauma e traz para a dupla essa mistura entre a fé e alguém que já sofreu fora dela. As duas então começam a seguir uma lista de pessoas que se interessaram pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. O primeiro é o Sr. Reed (Hugh Grant) um homem que - aparentemente - vive com a esposa e começa a fazer diversas perguntas sobre as duas, a religião que seguem e seus caminhos pela fé, até que as prende em uma trama de questionamento de suas crenças e um labirinto no subsolo da casa.
Os dois diretores também são os responsáveis pelo roteiro e ambos já carregam em seus currículos um acerto fantástico, com Um Lugar Silencioso, e uma bomba daquelas, com 65, estrelado por Adam Driver. Em Herege, eles conseguem misturar bem a tensão e a estranheza do Sr. Reed, com seus comentários ácidos e o deboche sobre a crenças e religiões, que se dizem as verdadeiras vozes de Deus. É como se os dois pegassem a sátira de The Book of Mormon, musical da Brodway dos criadores de South Park, e jogassem em um suspense de serial killer. Ainda que o filme seja um terror que não assuste tanto ou dê pouco medo - algo que a A24 costuma fazer com frequência, vide a Trilogia X ou o ótimo Morte Morte Morte -, é no suspense e, principalmente no texto do personagem de Hugh Grant, que a história cativa e prende o espectador.
O ator britânico talvez esteja em seu melhor papel Herege. Claro, ele sempre será lembrado como o galã de Um Lugar Chamado Notting Hill, Simplesmente Amor e Bridget Jones, mas é no papel do vilão sarcástico que Hugh Grant pode misturar todo o seu talento. Do charme e sarcasmo das comédias e romances, até o tom mais ameaçador que mostrou em filmes recentes de Guy Ritchie como Operação Fortune e The Gentlemen. É muito interessante a construção do personagem, do suéter quadriculado, aos óculos no estilo Jeffrey Dahmer, passando pela forma espirituosa com que recebe as missionárias, até mostrar seu lado ameaçador, sendo um estudioso e contestador da crença de ambas. Grant tem um fantástico monólogo - ou quase isso, já que há pequenas interações - de mais de cinco minutos onde o Sr. Reed explica seu ponto de vista sobre a religião, utilizando Radiohead e Banco Imobiliário. A mistura do suspense, com a curiosidade das comparações e uma piada no final, manipula a expectativa do público a todo o tempo, construindo e quebrando diversas vezes ao longo desses minutos.
O suspense é muito bem construído em toda a primeira metade do filme, utilizando apenas três cenários da casa quase o tempo todo e a excelente dinâmica entre Gran, East e Tatcher. Já na segunda parte, os diretores mergulham mais no terror e focam mais na busca das missionárias por respostas. O filme então perde um pouco da sua força, tentando se equilibrar em algumas reviravoltas que não são tão inventivas assim e abusando de elementos que exigem demais da suspensão de descrença do público sobre o mistério.
Herege é sim um retrato dentro desse “gênero A24”. Um gênero que se apoia em uma boa ideia ou uma trama espertinha, com questionamentos que nem sempre são os mais profundos, mas geralmente entretém o espectador e usam uma grande atuação com âncora, vide Mia Goth ou Sophie Wilde, em Fale Comigo. Aqui, Hugh Grant tira o filme do lugar comum, divertindo e assustando muito mais no que é falado, do que nas ações em si. E no fim, ele é quem merece os grandes aplausos. Mais do que a logo no início do filme.