Homem-Aranha Através do Aranhaverso é uma obra-prima como animação e como filme do Homem-Aranha - Crítica

Homem-Aranha Através do Aranhaverso é uma obra-prima como animação e como filme do Homem-Aranha - Crítica

Aliando um banquete visual a uma poderosa história, nova animação de Miles Morales é fantástica

Guilherme Jacobs
1 de junho de 2023 - 8 min leitura
Crítica

Usando variações do personagem para fortalecer sua mensagem, Aranhaverso argumentou que qualquer um pode ser o Homem-Aranha. Sua fantástica continuação, Homem-Aranha Através do Aranhaverso, dá um passo adiante nessa lógica. Se o primeiro filme buscou traçar paralelos entre Miles, Peter, Gwen, Peni e quem mais se chamar de amigo da vizinhança, a sequência ousa desafiar essas semelhanças. E se Miles não for como os outros? E se esse filme não for como os outros nove longas-metragens do Homem-Aranha?

Transformando seu contexto em texto, Homem-Aranha Através do Aranhaverso é quase o oposto de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, onde três versões live-action de Peter Parker foram unidas num exercício de nostalgia. Ali, os Peters de Tom Holland, Tobey Maguire e Andrew Garfield se conectam através de seu luto compartilhado. Aqui, Miles tenta pensar de outra forma. E se sua vida seguir outro caminho? E se um filme do Homem-Aranha não seguir as normas esperadas? O resultado é uma odisseia por universos coloridos e criativos que vira a fórmula conhecida de cabeça pra baixo numa linda jogada metalinguística. Se há tantas variantes do teioso, por que elas precisam sofrer as mesmas coisas?

Esse questionamento surge quando, após lutar contra o aparentemente patético vilão Mancha (Jason Schwartzman), Miles é levado numa jornada interdimensional por Gwen Stacy (Hailee Steinfeld) e descobre a Sociedade Aranha, um grupo criado por Miguel O’Hara (Oscar Isaac) depois que situações como a do primeiro Aranhaverso (ou Sem Volta Para Casa) colocaram toda a existência em risco. Rigoroso e futurista, O’Hara identificou pontos comuns entre os Homens-Aranhas, normalmente envolvendo a morte de pessoas queridas.

Testando os limites da ficção, Através dos Aranhaverso chama esses momentos de “eventos cânone”. Ao descobrir o verdadeiro poder de Mancha, Miles se vê diante de um desses amargos tijolos supostamente necessários na construção de sua vida, e precisa escolher entre ajudar Miguel a manter a ordem, ou evitar uma tragédia pessoal.

Esse conceito — predestinação vs. escolha, repetição vs. invenção — é trabalhado em todos os níveis do filme. Do excelente roteiro de Phil Lord, Chris Miller e Dave Callahan às dezenas de fabulosas linguagens artísticas utilizadas na realização desses mundos, Através do Aranhaverso engaja tanto protagonista quanto espectador na especulação. No cinema de super-herói atual, o conceito do multiverso faz de cada reboot uma realidade paralela, permitindo que as versões anteriores desses heróis continuem vivas. O sucesso dessa animação vem justamente ao explorar o potencial dessa ideia. Como se diferenciar entre tantos filmes e tantos Homens-Aranhas?

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O trio de direção Joaquim DosSantos, Kemp Powers e Justin K. Thompson merece muito crédito por nos guiar com mão firme. O que poderia ser uma onda de ruído irritante aos olhos ganha o ar de um parque de diversões grande demais para ser visto em apenas um dia, mas repleto de atrativos. Cada cena, seja ela um pequeno diálogo entre pais e filhos ou uma bombástica perseguição com centenas de Aranhas, tem tanto impacto que fica impossível absorver cada detalhe em apenas uma sessão no cinema (rever o filme é quase obrigatório), mas jamais nos sentimentos frente a algo incompreensível. Suavemente, os animadores conduzem nossa atenção e nunca nos deixam perdidos.

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Auxiliando-nos nessa missão está um foco narrativo importantíssimo. Através do Aranhaverso não se satisfaz em apenas nos distrair com fogos de artifícios e truques de ótica. Como Guillermo Del Toro tanto prega, animação é um meio, e não um gênero, para o cinema. Ela é uma ferramenta para fazer coisas diferentes. O maior feito deste filme vem em como ele alia esse meio ao seu protagonista. A animação de Através do Aranhaverso é poderosa o suficiente para impressionar sozinha — é impossível imaginar uma versão live-action — mas esse efeito é potencializado pela personalidade de Miles.

O visual é único o suficiente para fazer-nos sair do cinema com a impressão de que vimos algo realmente inédito, diferente de tudo que vimos até então, mas excelência do filme encontra-se na busca de sua história por essa mesma originalidade. Assim como Através do Aranhaverso se distingue de outros blockbusters de heróis por abraçar sem ressalvas sua identidade estética, Miles Morales decide se destacar dos Homens-Aranhas por recusar-se seguir o enredo de sempre. É como se tanto o filme quanto Miles rejeitassem a proposta de ser apenas mais um. A consequência disso é que, mesmo sendo o décimo capítulo da franquia da Sony e Marvel, Através do Aranhaverso tem algo novo a dizer.

São tantas competências, que mesmo problemas como inevitável (mas não muito grande) incômodo gerado pela falta de conclusão (Além do Aranhaverso fechará a trilogia em 2024) se dissipam. A nota abaixo, caro leitor, não sugere perfeição. Ela, porém, reconhece a existência de excelências que tornam os defeitos praticamente insignificantes. Seja como animação ou como filme de Homem-Aranha, Através do Aranhaverso é uma obra-prima

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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