Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania perde história de vista em retorno da Marvel genérica - Crítica do Chippu
Apesar de ótima atuação de Jonathan Majors, novo filme do Homem-Formiga é uma decepção
Crítica
Após uma década de domínio no gênero de super-herói, a Marvel decidiu experimentar visões diferentes dentro do gênero. Assim foi com Sam Raimi em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, Taika Waititi em Thor: Ragnarok e Amor e Trovão, Chloe Zhao em Eternos, e por aí vai. Entre erros e acertos, os últimos dois anos do estúdio foram marcados por uma recepção dividida, mas com tentativas inegáveis de se distanciar do formato consagrado nas fases anteriores. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania quebra qualquer resquício desse movimento e retorna ao mais estado mais genérico possível. Nessa volta, porém, ele se perde no que o fazia a "fórmula" ser eficiente: a coesão da trama, o foco nas relações entre os personagens e a simplicidade dos arcos dramáticos.
Não fosse pelo já conhecido carisma do elenco, a ótima atuação de Jonathan Majors como o vilão Kang e a bela direção artística que molda o Reino Quântico, Quantumania ficaria entre os mais bagunçados e cansativos filmes da Marvel nos últimos anos. Na ânsia de apresentar uma nova Fase e um novo grande inimigo, Peyton Reed, diretor dos filmes anteriores e responsável por colocar no chão um Marvel que quase sempre está nas nuvens, é engolido pela quantidade absurda de conceitos fantásticos, algo que surrupia completamente as conexões entre pai e filha, vilão e herói, e conquistador e conquistados. Ainda que o ato final consiga amarrar as pontas num clímax digno das aventuras que encantaram uma geração, este é um filme que lembra quão importante é experimentar ao invés de repetir o passado sem ressignificá-lo para um novo momento.
Na história, vemos Scott Lang (Paul Rudd) aproveitar o sucesso que teve após salvar o mundo em Ultimato para virar uma celebridade. Ele lançou um livro, é reconhecido nas ruas, mas ainda não tem o relacionamento ideal com sua filha, Cassie Lang (Kathryn Newton), que ficou sem o pai por cinco anos quando metade da humanidade foi apagada no blip de Vingadores: Guerra Infinita.
A jovem vive bem com a família da madrasta, Hope Van Dyne (Evangeline Lilly), e tem uma habilidade de cientista incentivada pelo sogro e sogra do seu pai, os cientistas Hank Pym (Michael Douglas) e Janet Van Dyne (MIchelle Pfeiffer). Em um jantar de família, ela revela que fez um comunicador com o Reino Quântico para salvar o pai enquanto ele tinha desaparecido com o estalar de dedos de Thanos - e na hora em que ela vai demonstrar o aparelho, a família inteira é sugada para o Reino e começam a enfrentar uma ameaça lá dentro. Ela é personificada por Kang, um ser superpoderoso que está conquistando todos os povos do Reino para poder voltar à Terra, e ele acredita que Scott e toda a família dele são a chave para tal.
O resumo mostra de antemão o que é essencial para a trama: a conexão emocional entre a família. Isso é praticamente inexistente, ainda que o filme gaste alguns minutos tentando explorar a relação entre Scott e Cassie - o lance é que não há espaço para eles se conectarem. O roteiro quase todo se debruça em explicar o Reino Quântico e as várias confusões que a família Formiga se mete. Se por um lado não existe drama, assim esvaziando clímax de drama, é inegável que a construção dos ambientes do Reino e as batalhas são bem compostas por Reed, ótimo na hora de explorar as bizarras criaturas do local e, ainda que seja sugado pela computação gráfica, aproveitar os poucos momentos de interação entre os Formiga e os seres do Reino para criar uma aura de Star Wars da Marvel no filme.
O ponto alto aqui é Kang. O vilão materializa a tentativa da Marvel de explorar diferentes personalidades em um só corpo, como se fosse o estúdio tentando mudar o gênero de herói no mesmo molde de filme que ela consagrou. Jonathan Majors, conhecido pelo ótimo desempenho em Lovecraft Country, acha o equilíbrio entre o vilão afetado e ameaçador, se diferenciando muito de todos os outros antagonistas. Ele, porém, supera o roteiro vazio. O texto não lhe permite entender o real poder e alcance de Kang, e assim as conquistas ou mesmo a maldade (e loucura) dele são resumidas a acessos de raiva contra Formiga, nas interações com o palhaço MODOK ou aos flashbacks descritivos que funcionam mais como exposição do que construção de personagem. Sua brutalidade no terceiro ato salva, até certo ponto, a conclusão do filme, mas não apaga a sensação de desperdício de um vilão tão complexo.
Enquanto tentava mudar o rumo criativo das produções, a Marvel sofreu com a recepção de público e crítica. Os últimos filmes batalharam não só contra isso, mas contra a estafa do gênero e até a pandemia, que botou em cheque tudo e todos na indústria do entretenimento. Quantumania é um repeteco das sequências da Fase 2, quando a Marvel procurava entender como remodelar a própria receita, mas caia num modelo bagunçado da mesma fórmula, foi assim com Era de Ultron, Thor 2, Guardiões 2 e outros. Ao ter eleger o Homem-Formiga como o responsável por uma nova Fase no Universo Compartilhado que tanto protege, a Marvel esqueceu não só de respeitar o que deu certo com o personagem, como qualquer outra lição de um passado recente. O resultado é uma variante sem o carisma ou a tímida ousadia da Marvel, um retrato fidedigno da estafa criativa que o gênero possui dentro de sua casa mais importante.