Hong Sang-soo narra divertida crônica cotidiana com In Our Day - Crítica do Chippu
Novo filme do diretor sul-coreano opera com muita simplicidade e bom-humor no traçar de duas histórias contemporâneas
Crítica
“Tem mais alguém,” protesta Sang-won (Kim Min-hee) quando sua colega de casa Jung-soo (Song Sun-mi) e sua prima Ji-soo (Park Mi-so) falam de seu curioso gosto por jogar uma colherada de gochujang, a pasta de pimenta típica da Coreia do Sul, no rámen para deixá-lo super apimentado. Sua defesa, à primeira vista, soa como uma afirmação geral. O mundo fosse grande o suficiente para haver, de fato, mais alguém com essa mania. É impossível não existir. Há, porém, uma dose de certeza na frase, uma sugestão de conhecimento, de que se essa pessoa está por aí, Sang-won sabe quem é. Talvez ela saiba. Nós definitivamente sabemos. Na outra história de In Our Day, filme dirigido pelo mestre Hong Sang-soo, nós o conhecemos.
A pessoa em questão é o poeta Hong (Ki Joo-bong), um solitário escritor cuja paixão por álcool e cigarros está, supostamente, em controle por conta de sua situação de saúde. Visitado por sua “filha adotiva”, vivida por Kim Seung-yun, filmando um documentário sobre sua vida para um projeto, e pelo estudante de atuação Jae-won (Ha Seong-guk), que quer questionar esse aparentemente sábio homem sobre o sentido da existência, esse autor tão respeitado pela juventude sul-coreana tem pouco interesse em se apresentar como um grande pensador. Hong está mais preocupado em arranjar uma cerveja e voltar a fumar, ainda que por fora diga ter largado isso tudo diante da sua doença cardíaca.
Há várias “coincidências” nessas breves e corriqueiras histórias, encenadas por Sang-soo sem grandes artifícios. Através de meia dúzia de enquadramentos e longas tomadas, ele apresenta com naturalidade duas tardes preguiçosas de pessoas contemporâneas; uma mulher de 40 anos que deixou a carreira de atriz para trás e um homem de 70 que pode, ou não, ter sido a causa. Em ambos contos há violões, bebidas, aspirantes a atores e coisas (ou animais) perdidos. Os paralelos parecem apontar para Hong como pai de Sang-won, mas In Our Day nunca bate o martelo.
E nem precisa. A proposta de Hong Sang-soo é simplesmente narrar histórias, como diz o título, dos nossos dias. Algo que poderia estar acontecendo hoje mesmo, enquanto você lê essa crítica. Em diálogo com outros filmes no Festival de Cannes (na banalidade, Perfect Days; na mensagem, Asteroid City), In Our Day parece ter fixado um iPhone em dois apartamentos nada impressionantes de Seoul e nos mostrado quais conversas estavam rolando lá. A fotografia, por um lado adequada, não busca beleza em nenhum ambiente e a trilha sonora é basicamente inexistente. Como consequência, In Our Day depende de seus diálogos e personagens para andar.
O roteiro de Sang-soo e as atuações, no geral, são capazes de manter nossos olhos na tela mesmo quando a imagem se torna cansativa, o que inevitavelmente acontece. Há, claro, momentos de maior sucesso — um jogo de pedra, papel e tesoura está entre as melhores cenas da filmografia do diretor, assim como o alimentar de um gato — e horas onde sentimos In Our Day afrouxando seu domínio de nossa atenção. Particularmente nas raras situações quando a ênfase sai de Joo-bong e Min-hee, perfeitos como personagens escondendo sua real natureza atrás de máscaras, In Our Day sofre mais.
Felizmente, os toques de humor quase acidentais inseridos por Hong Sang-soo, particularmente nas telas que iniciam cada capítulo de In Our Day (ambas narrativas são divididas em alguns segmentos), nos acordam do marasmo ocasional. É até debatível se o texto de Sang-soo foi concebido com tanta graça, mas o resultado, especialmente nas mãos dos melhores atores desse elenco, é ótimo. As risadas surgem sem quebrar a espontaneidade com a qual o filme tempera suas interações.
Nesses encontros triviais, In Our Day acaba marinando como uma sopa prestes a borbulhar. É difícil descrevê-lo como uma grande experiência, mas Hong Sang-soo insere pimenta o suficiente no caldo para deixar em nós uma impressão duradoura; convidativa à reflexão e digestão lenta. Análises profundas do paralelismo entre os dias de Hong e Sang-won sem dúvidas fortalecerão a teoria de parentesco e acharão semelhanças temáticas entre os assuntos discutidos ali. A força de In Our Day, porém, não está subordinada a isso. Independente do quão enriquecedoras essas respostas possam ser, esse filme satisfaz já no levantar das perguntas.
3.5/5