Kubi se aproveita de grande orçamento e astros do cinema japonês para garantir risadas - Crítica do Chippu

Kubi se aproveita de grande orçamento e astros do cinema japonês para garantir risadas - Crítica do Chippu

Kubi é o novo novelão de samurai do lendário diretor, ator e comediante Takeshi “Beat” Kitano

Guilherme Jacobs
24 de maio de 2023 - 6 min leitura
Crítica

Os primeiros 20 minutos de Kubi, o novo novelão de samurai do lendário diretor, ator e comediante Takeshi “Beat” Kitano, são uma baita carta de introdução. Após nos situar num período onde diferentes generais samurai iniciaram rebeliões contra o regente da época, e contra outros clãs contemporâneos, Kitano deixa sua câmera pairar pacificamente por um belo riacho japonês repleto de siris. Aos poucos, as consequências da guerra se manifestam. Um cadáver, depois outro, depois mais um cheio de flechas e, por fim, um soldado decapitado. De onde seria sua cabeça, mais siris saem.

A imagem diz tudo sobre as sensibilidades de Kitano. A violência aliada ao humor perverso; a cultura de seu país simultaneamente celebrada e recontextualizada; a ideia mais absurda encenada filmada com formalidade. Kitano sucede essa marcante apresentação partindo para o castelo onde o lorde Nobunaga Oda (Ryo Kase, ultrapassando todos os limites do exagero cômico) preside sobre a corte de generais. Eventualmente, ele força um de seus seguidores a mastigar um doce preso na ponta de sua katana, encharcando a boca de Murashige Araki (Ken'ichi Endô) com sangue e depois beijando-o, para o choque de Mitsuhide Akechi (Hidetoshi Nishijima), amante de Akari, e para a confusão do mais velho membro do grupo: Hideyoshi Hashiba, vivido pelo próprio Kitano.

Ao fim da cena, Kitano expressa o sentimento provavelmente presente na audiência ao testemunhar o começo dessa sangrenta comédia sobre samurais, três deles gays, se perdendo entre fofocas, traições e batalhas. Hashiba, com todo o timing impecável de seu diretor, diz que não entende bem os costumes desses samurais. É o soltar da risada que o público está procurando desde os créditos iniciais, a despressurização que nos coloca confortáveis em nossas cadeiras cientes de que estamos em boas mãos.

Kitano nem sempre faz valer essa confiança. Em seu longo segundo ato, Kubi sofre por um excesso de personagens. Kubi apresenta o ex-ninja Sorori (Yuichi Kimura), o atual ninja Hattori Hanzo* (Kenta Kiritani), o plebeu atrapalhado e ambicioso Mosuke (Shido Nakamura) e outros generais como Ieyasu (Kaoru Kobayashi), para mencionar alguns. Todos protagonizam momentos hilários, em especial Sorori e Ieyasu — cuja estratégia de usar sósias para morrer em seu lugar fica mais engraçada cada vez que é usada — mas eventualmente, fica praticamente impossível acompanhar cada troca de aliança, plano secreto e segunda intenção.

*Sim, fãs de Tarantino. Esse é o mesmo nome do personagem de Kill Bill Vol. 1. Hanzo foi um ninja famoso da era Sengoku, que é quem vemos aqui.

É uma confusão, em parte, intencional. Kitano apresenta seus samurais como figuras sem muita honra, divertindo-se na mentira e se deleitando em causar barraco. As revoltas são tão motivadas por exploração do povo quanto por rejeições românticas ou mágoas não resolvidas, mas dentro desse ambiente, Kubi eventualmente esvazia todo o fôlego de seus espectadores. Na décima vez em que alguém é enviado de uma região à outra para enganar outro guerreiro, chega lá e revela a verdadeira intenção de sua vida para trair quem o mandou, e acaba voltando agora à serviço do rival, já perdemos o fio da meada.

A estrutura do filme fica episódica e repetitiva, o que significa que há altos e baixos. Em diversas sequências, Kitano — o mais divertido membro do elenco, claro — encontra soluções criativas e inesperadas e gera gargalhadas mesmo diante das mais violentas mortes. Em outras, porém, ele erra o alvo. Entendemos a piada, mas seja pela entrega dos atores (Nishijima foi um grande erro de casting) ou pela repetição de situações semelhantes.

Semelhantemente, os diversos finais de Kubi, que dedica uns bons 20 minutos a um grande epílogo e vai de samurai em samurai para fechar pontas soltas, variam em qualidade, mas Kitano finalmente faz sua história ganhar tração e se mover novamente. Algumas de suas melhores brincadeiras são guardadas para essa conclusão doentia, incluindo o maior número de piadas feitas com decapitações em sua filmografia.

Kubi pode preferir brincar na superfície ao invés de explorar o potencial cômico e narrativo de algumas de suas ideias, mas é difícil reclamar quando Kitano, agora mais velho e experiente, nos revela que seu estilo tardio é, na verdade, mais de Takeshi Kitano. Kubi é realizado com grandes astros do cinema japonês, um grande orçamento e vistas de grande escala. No fim, porém, ele é sobre Takeshi Kitano dando umas risadas.

3.5/5

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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