Little Death: Filme com David Schwimmer e Talia Ryder sofre com divisão entre duas metades
Uma delas é boa. A outra...
Crítica
Se você se esforçar, encontrará a ligação temática entre as duas metades de Little Death. Na primeira hora do incoerente filme de Jack Begert, uma obra que pode ser definida como 50% bem-sucedida e 50% quase insuportável, acompanhamos um roteirista deprimido (David Schwimmer) sofrendo para conseguir a luz verde para seu filme dos sonhos. Então, algo acontece, e passamos a seguir dois jovens (Talia Ryder e Dominic Fike) em busca de um barato e uma mochila perdida. Em ambas, Little Death quer tratar sobre os efeitos do vício em remédios. A receita, porém, só funciona numa delas.
Little Death está longe de ser o primeiro filme a trocar protagonistas ou incluir múltiplas histórias, e o principal problema na execução dessa estrutura não está no fato de que há pouco tecido conectando Martin Solomon (Schwimmer) com Karla (Ryder) e AJ (Fike). A presença das pílulas e seus efeitos é a única ponte entre essas duas tramas, e Begert não explora muito bem o espaço entre elas, mas isso poderia ser facilmente perdoado se ambas narrativas fossem executadas com excelência.
Quase tudo envolvendo Schwimmer fracassa. Martin é um homem de meia idade cuja carreira só não está pior que seu casamento com Jessica (Jena Malone). Ele vive sonhando com uma mulher linda (Angela Sarafyan) e está desesperado para finalmente deixar a sitcom onde trabalha para trás e criar um filme aclamado. Além da atuação dedicada de Schwimmer, um ator capaz de fazer cara de derrota como poucos, a única ideia interessante nessa primeira seção vem quando uma produtora diz que vai financiar seu longa-metragem, um drama semi-biográfico sobre um escritor em crise, se ele transformar o protagonista numa mulher, uma mudança que Little Death imagina substituindo Schwimmer temporariamente pela ótima Gaby Hoffmann sem que nenhum outro personagem perceba.
Mas entre infinitas animações em inteligência artificial, sequências que poderiam representar a pobreza criativa de Martin em imaginar o mundo se Little Death não parecesse tão apaixonado por esses visuais horríveis, e uma tentativa cru de criar uma paródia sobre a Hollywood do momento, dedicada a diversidade apenas como fim para o lucro e preocupada demais com a cultura do cancelamento, é difícil admirar os momentos inspirados desse começo.
É quando trocamos de marcha para Ryder e Fike, cujos personagens cruzam o caminho de Martin de forma inesperada, que Little Death passa a empolgar. Há até um fio condutor entre as duas histórias (Martin está preso num ciclo vicioso de remédios controlados, e Karla e AJ são viciados nos medicamentos), mas elas não poderiam ser mais distintas na sua abordagem. É até irônico; Martin não consegue criar algo cativante, e resiste a sugestão de mudar o personagem central de seu roteiro. Quando ele sai de cena, e outra pessoa toma o holofote, Little Death enfim abre as asas.
Ainda há bastante humor absurdo na segunda metade do filme, na qual vemos Karla e AJ numa noite que os coloca em rota de colisão com traficantes, criminosos e um chihuahua fofíssimo, mas ao invés de abraçar a loucura de maneira cansativa como fazia com Martin, Begert cria um contraste entre a intensidade da situação e a naturalidade dos personagens. Ryder e Fike são excelentes na construção de dois jovens simultaneamente magnéticos e destruídos, sempre nos convidando a fazer parte de suas festas e conversas só para quebrarem nossos corações quando nos lembram da realidade deles.
Begert, diretor de clipes cujo currículo inclui o hit "get him back" de Olivia Rodrigo, parece muito mais confortável na vibe descompromissada de filme hangout que aplica a Little Death na sua segunda parte. O texto mais jovial, os atores mais soltos e a ambientação mais realista o permitem explorar seus temas com muito mais impacto. Se com Martin o filme parecia gritar em nossa cara e testar nossa paciência, com Karla e AJ somos, aos poucos, levados para dentro de outro mundo, onde as consequências do vício são tratadas menos como argumentos e mais como lutas pessoais.
É impossível não se frustrar ao sair do filme, que mais parece dois; um deles pouco destrinchado e apelando para técnicas cansativas na hora de compensar por isso, enquanto o outro tem todos os ingredientes para ser um daqueles clássicos indies típicos do Festival de Sundance, onde Little Death estreou. Se Begert tivesse escolhido um dos dois, ou teríamos um filme falho cheio de ideias, ou um simples mas completo drama íntimo. Na verdade, porém, não terminamos com nenhum deles.