Lobisomem na Noite é uma divertida homenagem aos monstros de 1930 e um exemplo para a Marvel - Crítica do Chippu
Sem gordura e usando bem ferramentas modestas, o diretor Michael Giacchino fez um especial de Halloween divertido com Lobisomem na Noite
Crítica
Desde o começo da Fase 4 da Marvel, muito se fala sobre a flexibilidade do universo povoado por Vingadores e Eternos. A capacidade de filmes e séries de adotar outros gêneros cinematográficos (Mulher-Hulk é uma sitcom, Ms. Marvel uma comédia teen, Shang-Chi um filme de artes marciais, etc) é um dos pontos mais debatidos por fãs e críticos das produções de Kevin Feige. Com alguns lançamentos do Disney+, em especial, essa discussão tomou o holofote. Será assim, também, com Lobisomem na Noite.
Exercícios de forma e conteúdo como os primeiros oito episódios de WandaVision sugerem, ao menos, uma permissão de fugir da fórmula, desde que haja um retorno na conclusão. Últimos episódios frequentemente viram festas de efeitos especiais, lutas chatas contra o mal e fanservice. Lobisomem na Noite, o especial de Halloween do Marvel Studios, segue a rota contrária. Ele termina ainda mais mergulhado no cinema dos anos 1930. Em vez de voltar à zona de conforto, o programa constrói o clímax através de sua homenagem.
Comandado pelo renomado compositor Michael Giacchino em sua estreia como diretor (ele também fez a ótima trilha sonora, claro), Lobisomem na Noite é profundamente inspirado nos filmes da década de 1930, com destaque especial para os monstros da Universal representados em títulos como Drácula, Frankenstein, A Múmia e O Lobo Humano (mas vale dizer sua maior referência é para outro clássico daquela época… O Mágico de Oz).
Como visto em Mank, que concorreu à principal categoria do Oscar em 2020, a fotografia digital é combinada com filtros vintage, com visual preto-e-branco, marcas de cigarro e ruído para simular algo filmado em película. O resultado não é tão autêntico quanto o filme de David Fincher, mas convence em algumas das composições da ótima diretora de fotografia Zoë White e, mais importante, permite criatividade e liberdade na execução da história.
O preto-e-branco dá vazão, por exemplo, a lutas mais intensas. Cabeças são perfuradas e braços decepados nas cenas de combate competentes do especial, e se tratando de uma história de monstros, não poderia ser de outra forma. Um personagem como Lobisomem, em especial, precisa poder usar suas garras e dentes para nos convencer da força física. A ação não é revolucionária, mas se mostra importantíssima na hora de transmitir a atmosfera desejada por Giacchino acentua tudo com uma trilha sonora digna da era aqui homenageada, e constrói bem a tensão antes dos momentos mais barulhentos da história.
Quando Jack (Gael Garcia Bernal) finalmente se transforma na criatura, o diretor combina todos estes elementos para, aos poucos, revelar seu visual monstruoso. Este, realizado por meio de maquiagem e efeitos práticos, não apenas celebra os designs clássicos de filmes do gênero, como também funciona melhor graças ao visual dessaturado (o mesmo pode ser dito dos efeitos digitais).
Jack está infiltrado em um ritual de caçadores de monstros depois da morte do patriarca Bloodstone, cuja poderosa Pedra de Sangue é capaz de derrotar diversas bestas. Trata-se de uma caçada noturna entre um grupo de guerreiros. Quem abater a poderosa monstruosidade no labirinto receberá o artefato e todo o seu poder. Conduzindo tudo está Verusa (a deliciosamente perversa Harriet Sansom Harris), e entre os participantes está a filha do falecido Ulysses, Elsa Bloodstone (Laura Donnelly). Como Jack, cuja participação faz parte de um plano de fuga elaborado, Elsa pouco se interessa pela vida de caçadora. Ela só quer aquilo que era seu por direito.
O desenvolvimento de personagens é econômico. Giacchino não gasta muito tempo em suas histórias particulares, e as motivações são bem básicas. O ótimo elenco, porém, adiciona uma necessária camada de humanidade às figuras, colorindo entre os tons cinzentos para trazer à vida o emocional de cada papel. Bernal e Donnelly fazem seu trabalho bem, e Harris rouba toda cena na qual aparece.
Tais atalhos, porém, não são grandes problemas. Giacchino sabe por que estamos aqui, e acerta na hora mais importante de toda a obra. Lobisomem na Noite é um filme de monstros, e como tal, precisa saber construir o momento no qual tudo dá errado e a matança começa. A sequência climática do especial é divertida e digna do gênero no qual este se firma.
De fato, tudo dá errado. Monstros se soltam, pescoços são cortados e o caos consome toda a tela enquanto Giacchino deixa sua trilha pegar fogo e reproduz o clima de desespero de cenas como esta. Lobisomem na Noite não chega a ser assustador e, claro, estamos sempre no lado das criaturas, mas seu final é capaz de criar um ar de perigo para os humanos envolvidos. Não chega a ser terror, mas é pautado nisso.
Ao cumprir tão bem com sua proposta, Lobisomem na Noite sugere para a Marvel um novo caminho interessante. Talvez uma rota de fuga quando o estúdio parece tão estagnado. Este especial é, claro, um exercício de gênero. Ele não adiciona nada, seja em estética ou história, à linhagem na qual se encontra, mas Giacchino consegue usar as ferramentas deste parque de diversão macabro para estabelecer uma linguagem e não se desviar dela, sacrificando seus acertos em nome de clichês associados a este universo.
Pode não ser excelente, mas Lobisomem na Noite é verdadeiramente diferente, e justamente nessa distinção está o que o torna especial.
3.5/5