LONGLEGS: Vínculo Mortal é eficaz como terror atmosférico mas pouco inspirado como investigação

LONGLEGS: Vínculo Mortal é eficaz como terror atmosférico mas pouco inspirado como investigação

Com atuação bizarra de Nicolas Cage, filme de Osgood Perkins explora serial killer satânico

Guilherme Jacobs
23 de agosto de 2024 - 8 min leitura
Crítica

“Você já analisou o suficiente,” diz o agente Carter (Blair Underwood), supervisor da agente Lee Harker (Maika Monroe), uma jovem reservada cujo mix de intuição/clarividência — através do qual ela encontra um assassino em série horas depois de receber a tarefa, catapultando seu status no FBI — fazem com ela se torne a principal investigadora no caso do assassino titular de LONGLEGS - Vínculo Mortal, uma figura assustadora que é trazida à vida por um impactante trabalho de maquiagem, e um ainda mais impactante trabalho de atuação por parte de Nicolas Cage.

Como acontece em filmes como este, onde há uma separação entre a natureza do material e os verdadeiros interesses do cineasta, que neste caso é Osgood Perkins, falas como essa acabam se tornando representativas não só do que está acontecendo na história, como também descritivos quase metalinguísticos sobre a encenação do conto em si. Carter dá o imperativo quando se depara com Harker dormindo no chão de uma sala reservada para ela na sede do FBI, onde há fotos dos vários assassinatos de Longlegs associadas a datas no calendário, e onde ela percebe que tudo ocorre no máximo seis dias, ou depois, dos dias 14 de cada mês, uma conexão com o fato de que as famílias atacadas pelo criminoso sempre possuem uma filha cujo aniversário é, claro, no dia 14.

Até pela forma como o filme está sendo vendido (nos EUA, o marketing da Neon é um espetáculo que transformou LONGLEGS num hit de US$100 milhões; aqui a Diamond está responsável pelo lançamento), comparações se tornam inevitáveis e até convidativas. Não demora muito para evocar os maiores clássicos do gênero de terror investigativo, como Seven, A Cura e O Silêncio dos Inocentes, ou cult hits recentes como o maravilhoso O Mensageiro do Último Dia. A diferença é que esses títulos abraçam os dois lados da moeda. Eles valorizam o horror de se aprofundar cada vez nos mistérios a serem resolvidos quanto em cada passo necessário para encontrar essa resolução, assim deixando-a mais significativa. Em outras palavras, a ideia de “você já analisou o suficiente” não existe.

Por si só, a preferência de Perkins pelo terror mais franco, sobrenatural e folclórico não é um problema. As cenas nas quais LONGLEGS vira o olho para isso, inclusive, figuram entre as melhores de todo o longa (uma certa visita à casa de Lee no primeiro ato é particularmente arrepiante), mas até a terceira e última parte do roteiro, elas são poucas. Entre elas estão algumas idas a locais de crimes, entrevistas com sobreviventes e considerações de pistas. Estas, porém, são menos imaginativas e interessantes.

Em entrevistas, Perkins disse ter concebido o filme como uma crítica ao fascínio de serial killers e true crime, e até desenhado o próprio LONGLEGS como uma figura que, propositalmente, vai contra essa obsessão, eventualmente dando espaço para os verdadeiros temas que o cineasta quer explorar. Esses, sim, são bem explorados. A questão é que Perkins não adiciona intenção o suficiente em suas cenas de processos para fazer o que David Fincher fez em Zodíaco, Bong Joon-ho em Memórias de Assassino ou Michael Powell em A Tortura do Medo — desconstruir a fixação dos detetives (e por tabela a nossa) com o caso, enquanto mantém seu filme cativante. Se não fosse o ótimo trabalho de construção de atmosfera do diretor e a atuação magnética de Monroe, responsável por dar às cenas da agente o ar de sufoco constante, eu diria até que elas perigam ficar chatas.

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Perkins, através da fotografia simétrica de Andrés Arochi Tinajero e sua ênfase em formas geométricas, distorção de ambientes e bom uso do espaço negativo, cria uma densa atmosfera de tensão macabra, mas pouco faz para preenchê-la, e o problema se agrava tanto pela demora em chegar às respostas quanto pelo quão óbvias elas são. Ele não é um diretor de processos, mas a estrutura de LONGLEGS torna necessária a passagem por cada degrau até chegar no momento em que ele inaugura, através de uma cena destinada a entrar para o Hall da Fama de Nicolas Cage — um ator conhecido por sempre inserir um pouco de si nos meus mais caricatos personagens, mas que aqui desaparece genuinamente no papel — no mais momento perturbado do filme. Dali em diante, Monroe sai do sufoco para o pânico (com uma assistência da assombrosa Alicia Witt como sua mãe) e Perkins fica livre para fazer seu jogo.

Se LONGLEGS sofre para nos segurar até este ponto, e é salvo pelo visual marcante de sua estética junto com atuações chamativas, a reta final do longa é tão bizarra, marcante e áspera quanto algo como A Bruxa e Hereditário, onde o mal infesta residências e famílias enquanto se transforma em algo além do espiritual, tomando formas domésticas e reais para falar sobre relacionamentos, dependência e segredos guardados até bem demais, além de efetivar a ideia de Perkins de diminuir o assassino para falar sobre quem ele acha que merece ser o foco desse tipo de história: as vítimas. O texto passa a condizer mais com o forte de seu diretor sem ficar pedante ou óbvio, pois ainda está envolto no clima de trevas e ambiguidade que enfim deixa de ser algo residindo nas margens da tela para então ser o objeto focal de toda a obra. LONGLEGS caminha para um final satisfatório, e um que melhora tudo que veio antes.

É um feito que inevitavelmente nos convida a imaginar por que o filme não agarra essa abordagem desde o início, mas também nos faz querer retornar a LONGLEGS e enxergar os dois primeiros atos com as lentes de quem viu o terceiro. Talvez isso não seja o suficiente para deixar a investigação Lee nada mais que competente, mas pouco dinâmica, mas o destino ajuda a dar significado para os caminhos tomados por Perkins. O paranormal está presente desde o começo, e LONGLEGS não esconde isso ao colocar em tela imagem satânica após imagem satânica, mas tendo em mente que tipo de filme o cineasta quer fazer, talvez possamos enxergar melhor as digitais do diabo.

LONGLEGS: Vínculo Mortal foi recentemente adiantado e estreia em 28 de agosto nos cinemas brasileiros.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs

Longlegs: Vínculo Mortal

Crime
Terror
Mistério
1h 41min | 2024
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