Miyazaki: Spirit of Nature não passa do superficial ao analisar a filmografia de uma lenda

Miyazaki: Spirit of Nature não passa do superficial ao analisar a filmografia de uma lenda

Documentário de Leo Favier desperdiça potencial de observar a relação de Hayao Miyazaki com a natureza

Guilherme Jacobs
4 de outubro de 2024 - 6 min leitura
Crítica

Não é necessário se esforçar muito para perceber a importância da natureza no cinema de Hayao Miyazaki. Desde seu primeiro longa-metragem, o co-fundador do Studio Ghibli  trata do relacionamento (tipicamente tóxico) da humanidade com a fauna e flora, tanto no nível ambiental quanto espiritual. Quer seja através da temática das histórias (Nausicäa, Princesa Mononoke) ou quer seja na beleza com a qual ele desenha a grama (Meu Amigo Totoro), o vento (Vidas ao Vento) e o mar (Ponyo), Miyazaki sempre demonstra seu amor, carinho e preocupação com o meio-ambiente.

Em outras palavras, não falta material para um documentário como Miyazaki: Spirit of Nature. A ideia de explorar o relacionamento do artista com sua arte através desse viés é tão óbvia quanto é cheia de potencial, já que, para além dos filmes, não faltam exemplos do próprio diretor discursando sobre o tema e levantando duros questionamentos sobre o que estamos fazendo com nosso mundo. Quer você queira abordar a simplicidade e beleza dos seus desenhos da vida no campo e contrastá-los com a devastação de suas cenas de poluição, quer prefira examinar num nível textual o desgosto de Miyazaki pelos avanços do industrialismo e sua constante celebração da criaturas, um filme como esse deveria se revelar como um documento valioso sobre uma das lendas da animação mundial.

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Por isso, a superficialidade do documentário do francês Leo Favier é, no mínimo, frustrante. Tão perspicaz quanto um extra de DVD, o filme se propõe ao formato de passear pela filmografia de Miyazaki em ordem cronológica. Enquanto o faz, Favier faz leituras nada reveladoras de clássicos como A Viagem de Chihiro e Porco Rosso mas inexplicavelmente pula completamente títulos como Castelo Animado e Serviço de Entregas de Kiki, eventualmente terminando numa interpretação deveras equivocada da mensagem de O Menino e a Garça.

O que pode ser o último longa do cineasta recebe pouquíssimos minutos de tela, um crime que só não é mais grave porque outro documentário, este inteiramente sobre a realização de O Menino e a Garça, já existe, e esta é uma realidade recorrente quanto a Spirit of Nature: se profundidade de análise é o que você busca, é melhor procurar em outro lugar.

Seja na narração de Favier, ou nas entrevistas com personalidades (bem aleatórias) que pouco agregam ao discutirem suas visões de Totoro, Chihiro e outros filmes, recebemos observações limitadas a identificar paralelos entre a vida de Miyazaki e suas obras, curiosamente nem sempre sobre natureza. Ouvimos sobre a biografia do mestre, incluindo sua infância durante a Segunda Guerra, a doença de sua mãe e a conexão de sua família com a indústria militar do Japão. No papel, tudo isso também oferece material suficiente para documentários deste tipo, mas aqui, não só essas conexões são deixadas no raso, como a principal intenção do filme é sacrificada no processo.

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Felizmente, Favier consegue conversas substanciais com Goro Miyazaki, filho de Hayao e também diretor, e Toshio Suzuki, produtor e fundador do Ghibli – e o responsável por contar as melhores e mais engraçadas histórias sobre Miyazaki – além de encontrar clipes suficientes para compensar a ausência do próprio titã, presente no documentário através de entrevistas de arquivo e trechos de seus escritos narrados pelo documentarista. Nestes, sim, recebemos vislumbres não só dos bastidores de cada produção, como também detectamos algumas preocupações e desejos vindas do íntimo de Hayao Miyazaki.

Não é suficiente para salvar Miyazaki: Spirit of Nature de seus problemas, mas Favier encontra nisso uma ótima muleta. A capacidade de colocar em tela alguns dos melhores trechos dos filmes do Studio Ghibli e, em paralelo, ilustrar o que Miyazaki estava pensando ali através de suas próprias palavras, ou daqueles próximos do diretor, significa que há partes do documentário que vão fazer brilhar os olhos dos entusiastas desta rica filmografia.

Só é uma pena que com tanta riqueza em tela, Favier (assim como boa parte dos entrevistados) não seja capaz de tirar alguma conclusão interessante ou inédita. Mas, julgando pela forma como ele mesmo entendeu O Menino e a Garça, talvez a falta de análise crítica da parte do francês seja para melhor.

Miyazaki: Spirit of Nature teve sua estreia no Brasil no Festival ANIMAGE. Ainda não há data de lançamento nos cinemas ou streaming.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs

Miyazaki: Espírito da Natureza

Documentário
1h 24min | 2024
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