Monarch: Série do Godzilla na Apple TV tem os mesmos erros e acertos dos filmes recentes
Entre empolgantes descobertas com os Titãs, série da Legendary é povoado de melodrama fraco
Crítica
No começo do "Monsterverso" da Legendary Pictures, havia um clima de grandiosidade para a presença dos titãs como Godzilla e Kong. Ao lado das imagens apoteóticas da direção de Gareth Edwards e Jordan-Vogt Roberts, os primeiros filmes desse universo de monstros eram carregados pela atmosfera da natureza encarnada em criaturas gigantes, prontas para tomar de volta o controle da Terra dos humanos que a poluíram.
É uma abordagem praticamente inexistente em Godzilla vs. Kong, a divertida mas superficial batalha entre os dois seres mais formidáveis desse planeta que dispensou com o realismo para abraçar sem reservas a qualidade de desenho animado inerente a monstros destruindo prédios. Monarch - Legado de Monstros, a nova série da Legendary na Apple TV+, tenta voltar às origens do Monsterverso com uma aventura pelo globo (e pelas décadas) que transforma todo o contexto dos filmes, no qual uma organização chamada Monarch conduz pesquisas secretas sobre esse universo escondido, no principal motor da história.
A proposta é de restaurar reverência e temor às aparições de Godzilla e outros kaijus, tratando com sobriedade as implicações da existência desses monstros sem esquecer de transformar tudo numa aventura. O resultado, porém, lembra (não em qualidade, mas em característica) Godzilla II: Rei dos Monstros, o pior filme dessa empreitada. De certa forma, nenhum longa-metragem da Legendary capturou tanto a essência dos titãs como emissários divinos (ou infernais) da natureza indomável quanto aquele, e nenhum mostrou tanto os defeitos das adaptações ocidentais de Gojira; normalmente manifestadas na forma de personagens humanos descartáveis e dramas novelescos de pouco interesse.
Monarch, assim como Rei dos Monstros, mistura a investigação séria dos segredos dos titãs com um melodrama familiar variando do tedioso ao irritante. Se passando tanto nos anos 40 e 50 após a Segunda Guerra, quando os americanos encontram (e tentam explodir) Godzilla no Atol de Bikini e a Monarch é estabelecida, quanto nos meses imediatamente após o G-Day (os eventos do filme de 2014), a luta entre Godzilla e os MUTO em São Francisco traz à tona segredos familiares de Cate (Anna SawaI) e Kentaro Randa (Ren Watabe), que dividem o mesmo pai e sobrenome, mas que não sabiam da existência de um irmão em outro continente.
Ela mora em São Francisco, ele em Tóquio. Ambos acreditavam que seu pai era um homem fiel e trabalhador, e numa só tacada descobrem traições, famílias escondidas e a verdadeira natureza de sua profissão — a Monarch. Para desvendar os mistérios de como ele morreu, os dois vão atrás Lee Shaw, um antigo colega e mentor de seu pai.
Shaw é o único personagem que existe em ambas linhas do tempo. Interpretado pela dupla de pai e filho Kurt e Wyatt Russell numa ótima jogada de escalação, ele guia os Randas no presente e ajuda a avó dos meninos, Keiko (Mari Yamamoto) a dar os primeiros passos do que virá a ser a Monarch ao lado de um terceiro personagem: Bill Randa (Anders Holm). Este núcleo é de longe o mais cativante e menos aproveitado dos dois. Aqui, temos uma genuinamente empolgante jornada pelo globo, de florestas densas a ilhas paradisíacas, enquanto a humanidade tenta entender essas descobertas recentes.
É também uma das únicas vezes em que essas versões ocidentais de Godzilla aproveitam de forma dramática a intenção original do monstro como uma representação da bomba atômica, e desespero humanitário da criação e uso de armas de destruição em massa. Há conflitos e arcos pessoais, mas os criadores Matt Fraction e Chris Black conseguem pautar todos eles na narrativa maior e não perdem de vista o Godzilla na sala.
Infelizmente, o oposto acontece no presente. Além de ter menos encontros com titãs (os que estão lá são divertidos, mas acontecem muito raramente), a busca pela verdade dos meios-irmãos é povoada de distrações, como episódios quase inteiramente dedicados ao relacionamento de Kentaro com sua namorada May (Kiersey Clemons) e ao trauma de Cate quando esta traiu e perdeu a amante durante o G-Day. Há momentos, como uma aventura pela neve e uma visita ao local da luta entre Godzilla e os MUTO, que retornam Monarch - Legado de Monstros aos trilhos, mas eles são raros.
Lembra o dilema familiar de Rei dos Monstros, mas menos distrativo do que aquela história de divórcio. Especialmente pelos dotes carismáticos de Kurt Russell, e por como a premissa é naturalmente instigante, continuamos a assistir, mas está claro que Fraction e Black precisaram encher linguiça para levar a série aos 10 episódios prometidos.
Esse é o fardo da maior parte dos filmes de monstros gigantes americanos, agora em formato televisivo. Diferentes dos japoneses, onde Godzilla é o centro e os arcos de humanos existem no eixo dele, a Legendary parece incapaz de conectar o envolvimento emocional com os personagens e os titãs lutando acima deles. Claro, Godzilla é o pano de fundo, mas depois de servir como desculpa para iniciar os processos, ele é colocado de lado de maneira literal e emocional, voltando para aparições pontuais (e, felizmente, bem realizadas).
Essas ocasiões, mais comuns no passado, serão suficiente para manter fãs do gênero (aqui, eu me incluo) presos à tela, mas quando Godzilla submergir, nossa atenção irá junto com ele. Em Monarch, as enormes pegadas deixadas para trás pelo monstro são preenchidas por um legado que consiste de roteiro raso e relacionamentos mal trabalhados. Felizmente, ele, ou outro titã, nunca desaparecem para sempre.