
Morte no Nilo - Crítica do Chippu
Kenneth Branagh entrega mistério divertido (e emocionante) de Agatha Christie em mais um filme de Hercule Poirot

Crítica
Tudo conspirou contra Morte no Nilo, novo filme de Kenneth Branagh com base nos mistérios de Agatha Christie protagonizados por Hercule Poirot (Branagh). O longa da 20th Century Fox foi um dos mais afetados por atrasos em decorrência da pandemia, estreando nos cinemas mais de um ano após sua data original. Mas o que são essas histórias se não a solução saindo de circunstâncias adversas? O caminho de saída surgindo em meio ao fechar de paredes num aparente beco sem saída? Após uma longa espera (e mais de uma polêmica envolvendo membros de seu elenco - Armie Hammer acusado de abuso sexual e Letitia Wright com discurso antivacina), a adaptação finalmente estreou nos cinemas brasileiros e, eventualmente, traz um mistério cativante, divertido e surpreendentemente emocionante.
Eventualmente. A espera para o mistério realmente começar é de aproximadamente uma hora, e nem tudo na primeira metade do filme é executado com sucesso por Branagh. Mas quando o crime é cometido, o corpo é encontrado e o caso precisa ser desvendado, Poirot e Morte no Nilo ganham vida, estalam os dedos e vão ao trabalho. A solução, às vezes
Branagh, retornando como diretor e ator depois de Assassinato no Expresso do Oriente em 2017, leva seu tempo para construir a cena do crime. Morte no Nilo passa uma hora preparando o terreno, apresentando seu elenco variado. No centro da trama está um triângulo amoroso. Simon (Hammer) deixou para trás sua noiva Jackie (Emma Mackey) pela melhor amiga, a riquíssima Linnet (Gal Gadot). Quando os recém-casados partem num cruzeiro pelo Nilo (com Jackie bordo) rodeados de suspeitos, as tensões escalam. Mas a ex de Simon não é a única ameaça - praticamente todos no barco têm algo a ganhar com, ou motivo para desejar, a morte de um dos pombinhos. O primo Andrew (Ali Fazal) cuida das finanças de Linnet, sua empregada Louise (Rose Leslie) perdeu um amor antigo por causa dela, o doutor Ludwig (Russell Brand) é seu ex-noivo e não vai com a cara de Simon, a cantora Salome (Sophie Okonedo) e sua sobrinha Rosalie (Letitia Wright) foram vítimas de racismo, Marie (Jennifer Saunders) herdará grande parte da fortuna de Linnet, o que também enriquecerá a enfermeira Bowers (Dawn French). O único aliado de Poirot parece ser seu grande Bouc (Tom Bateman), mas a mãe do rapaz, Euphemia (Annette Bening) também tinha sentimentos negativos com a personagem de Gadot.
De fato, com um elenco tão grande de personagens e atores de qualidade, introduções são necessárias. Grande parte do prazer de uma história de Agatha Christie, particularmente no cinema quando pequenas nuances nas atuações podem ser detectadas, é tentar identificar o culpado antes mesmo do crime acontecer, investigando cada interação e conversa para não deixar uma pista passar despercebida, eventualmente apontando um (ou mais) suspeito e depois acompanhando o desenrolar do mistério para ver se seu palpite será confirmado ou não por Poirot. Este crítico precisa dizer, humildemente, que acertou na mosca com sua teoria do culpado.
Morte no Nilo, porém, simplesmente não é tão interessante antes de derramar sangue. Apesar de carismático, Branagh mantém sua atuação na primeira marcha durante o processo, assim como boa parte do elenco. Grandes intérpretes como Okonedo e Bening guardam suas armas para a segunda metade, e o clima de introdução é estendido por mais tempo do que o necessário. É como se todos estivessem segurando a respiração, incluindo o próprio filme, até o momento esperado.
Quando o caso realmente começa, porém, o filme salta e ganha vida. Alterando pouco do livro (mais na interpretação de alguns personagens e menos no desenrolar dos fatos), o roteiro de Michael Green começa a acelerar e Branagh acompanha, misturando a investigação com motivações pessoais - uma marca registrada de Christie - dessa vez afetando o próprio Poirot. Morte no Nilo eleva seu mistério ao não só buscar um motivo para essa morte em particular, mas também entender o poder de ter um motivo. Amor machuca. Ele deixa cicatrizes. As pessoas cometem atrocidades em seu nome. Poirot, por sua vez, prefere deixar tudo isso para trás. Como a abertura do longa, mostrando os tempos do detetive na Primeira Guerra Mundial, deixa claro, ele já perdeu muito. Morte no Nilo não faz conexões nível Marvel ou Harry Potter, diretamente relacionando o protagonista com os vilões, mas em sua análise de comportamento humano, força o personagem principal a revisitar e lidar com seus próprios fantasmas, a olhar diretamente nos olhos do monstro em seu armário, ouvir os ecos de seu passado. Qual é a resposta correta? O investigador frio e calculista, ou o ombro amigo e emotivo?
Nem todos os personagens e atores recebem o tratamento de ouro pelo filme, mas alguns conseguem fugir da multidão e tomar o holofote. No trio principal, Hammer parece estar dando 110% de esforço mas conquistando apenas 70% do resultado enquanto Gadot, nunca uma atriz das mais flexíveis, eleva seu trabalho muito por conta de seu charme natural. Mackey, destaque de Sex Education, é a melhor dos três, imediatamente clamando por mais papéis de grande-porte em cinema, exalando uma aura sexy, letal, trágica e magoada. Fora deles, os trabalhos são inconsistentes; Leslie faz um ótimo trabalho nas suas pequenas cenas; Bateman é sempre um deleite; Bening tem um forte terceiro ato depois de se manter anônima no começo. Mas Okonedo é de longe a grande estrela dos coadjuvantes. Sua Salome é uma cantora de jazz experiente, veterana, capaz de analisar humanos tão bem quanto Poirot, e a química entre ambos é explosiva (em mais de um sentido).
É genuinamente empolgante ver as peças caindo no lugar. Como nos livros de Agatha Christie, o caso vira e revira múltiplas vezes, revelando novas vítimas, eliminando suspeitos aparentemente óbvios e, como os melhores mistérios, eventualmente chegando perto demais da zona de conforto do detetive. Branagh faz um excelente trabalho com sua interpretação, desde o crime até a solução, exprimindo nos olhares profundos de Poirot uma raiva quieta cuja natureza vai além das circunstâncias atuais até o passado do investigador. Narrativas de trauma estão ficando cada vez mais cansativas e repetitivas, reduzindo personagens a vítimas definidas apenas por um acontecimento, mas Morte no Nilo, ao examinar as consequências emocionais de tentar solucionar um crime cuja natureza é tão familiar, encontra uma boa solução para o dilema.
Nota: 3.5/5

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