O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder dá salto de qualidade em 2ª temporada mais equilibrada e emocionante
Narrando um conto trágico sobre as consequências de mar margem para o mal, série melhora em todos os aspectos em seu segundo ano
Crítica
Às vezes, uma série demora um pouco para conseguir se encontrar. A segunda temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder é um salto considerável em relação ao primeiro ano da série, que teve seus defensores (como eu), mas não agradou a muitos e terminou com um impacto pequeno na cultura pop, especialmente devido a decisão de ir ao ar de forma simultânea a A Casa do Dragão.
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A série sem dúvidas continuará sendo rejeitada por muitos, especialmente aqueles que se intitulam mais “puristas” quanto à obra de J.R.R. Tolkien, e mesmo vindo depois de uma temporada decepcionante do prequel de Game of Thrones na HBO, eu não sei dizer o quanto sua presença no zeitgeist crescerá. O apetite de audiências modernas para fantasia genuína e honesta, algo que Os Anéis de Poder abraça com força ainda maior nos novos episódios que começam a ser exibidos nesta quinta (29) no Prime Video, não é tão grande como quando os filmes de Peter Jackson dominavam os cinemas.
Quem continuar assistindo, porém, sairá satisfeito com as diversas melhoras no texto, estrutura e personagens da série de O Senhor dos Anéis. Com momentos genuinamente emocionantes e episódios que equilibram bem o tempo entre os vários grupos e locais da Terra-Média, Os Anéis de Poder retorna mais confiante para uma temporada que aprimora praticamente todos os núcleos de sua narrativa (Númenor, sinto dizer, permanece cansativo e superficial).
Destes, os dois mais eficazes são Khazad-Dûm e Eregion. O segundo era o mais arriscado, já que envolvia Sauron (Charlie Vickers, agora se apresentando como Annatar) manipulando Celebrimbor (Charles Edwards) para forjar mais anéis de poder, agora para os anões e homens, enquanto os elfos se maravilham com os efeitos de seus três anéis. Vickers, que não é o mais dinâmico dos atores, se supera num trabalho baseado em sugestões, mentiras e ideias plantadas que transforma Sauron num verdadeiro Enganador, sempre rastejando entre as palavras e frases para conseguir o que quer.
Este trecho da história era o que, na minha mente, mais poderia sofrer ao ser colocado em tela. Há o risco de considerarmos Celebrimbor um idiota, ou acharmos que a série está facilitando o trabalho de Sauron. Em suma, o tempo compartilhado entre os dois personagens poderia ser algo mais bem servido pela ambiguidade, firme no campo da imaginação e não da imagem. Aqui, a série se supera mais do que nunca. Sauron é verdadeiramente satânico, sorrindo e derramando lágrimas enquanto enfia suas garras na mente de um elfo com nobres, mas arrogantes, intenções.
O MVP da temporada, aliás, é Edwards. Em suas mãos, Celebrimbor vira uma figura trágica, e vê-lo caindo no feitiço do inimigo é um processo que fica mais doloroso a cada episódio. O papel do ferreiro poderia ser o mais ingrato de toda a série. Quem gostaria de passar oito horas de televisão interpretando alguém sendo enganado? O ator, porém, dá a tudo isso o ar de tristeza, que vemos também em Khazad-Dûm.
Entre os anões – onde está o mais simpático personagem de toda a série, o príncipe Durin de Owain Arthur – a chegada dos anéis desperta ganância sem precedentes, mas assim como a revitalização da árvore de Lindon com os elfos, os efeitos negativos das criações de Celebrimbor vêm maquiados por benéficos. Entre os elfos, os anéis são vistos como algo necessário para estender sua presença na Terra-Média, e figuras como Elrond (Robert Aramayo) corretamente suspeitam das consequências de usar este poder a longo prazo, ainda que Galadriel (Morfydd Clark) e Gil-galad (Benjamin Walker) se mostrem mais dispostos a aceitá-lo.
Em Khazad-Dûm, é parecido. Os anões enfrentam crises de sustento na temporada. Falta comida, falta dinheiro e sobram terremotos. Neste contexto, o anel é apresentado como uma solução que os coloca de vez num caminho para testar não só Durin, como também nosso coração, já que sabemos o que os aguarda nas profundezas da montanha: um Balrog.
Esse vai-e-vem é o grande feito da série. Numa temporada que se propõe a abordar mais diretamente a natureza do mal, e como seus tentáculos são justificados por aqueles que, seja por desespero ou ingenuidade, decidem aceitar sua ajuda. Sauron é trabalhado com muito mais sucesso desta vez, e ver suas mentiras e ilusões se transformando em desafios para os personagens mostra como Os Anéis de Poder entende os temas mais essenciais de Tolkien, ainda que tropece aqui e ali na execução de algumas ideias.
Estes tropeços ficam mais em Númenor e nos humanos, onde o nível do roteiro continua deixando a desejar e os personagens não são tão interessantes. Tais erros, porém, são mais inofensivos. Quando a série se propõe a entrar afundo na mitologia, o que continua acontecendo com o O Estranho (Daniel Weyman) e Nori (Markella Kavanagh) no deserto de Rhûn – onde estes encontram Tom Bombadil (Rory Kinnear) e o misterioso Mago Sombrio (Ciarán Hinds) – o tratamento é cuidadoso e bem-sucedido.
Novamente, é cedo demais para saber se a série vai deslanchar de vez na cultura com essa temporada, e tenho certeza que para muitos, Os Anéis de Poder jamais será aceito como produto de O Senhor dos Anéis. Nada disso, contudo, muda a realidade destes oito episódios. Neste segundo ano, a série apresenta um entendimento muito maior de fantasia, e em especial esta fantasia, e desenha com maestria as partes mais importantes dela.
Pode soar piegas, mas no fundo, O Senhor dos Anéis é sobre a luta do bem contra o mal. É esse classicismo que me faz pensar que a série não terá a presença no discurso moderno que suas competidoras possuem, mas é também isso que torna desta mitologia tão especial e importante, e Os Anéis de Poder, conquanto imperfeito, tem consciência do tipo de história que está contando.
Seus maiores problemas, eu diria, surgem quando a série quer se adequar às regras de televisão, ou não consegue escapar delas. De limitações na encenação de batalhas a desenvolvimento de coadjuvantes, romances rasos ou escolhas melodramáticas de direção, Os Anéis de Poder sofre quando os shworunners J.D. Payne e Patrick McKay afrouxam seu abraço no fantasioso clássico.
Como um conto sobre a necessidade de não abrir mão da luz diante das trevas, sobre o perigo de abrir espaço para tentações em troca de recompensas mais fáceis e imediatas, O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder acerta em cheio. Nestes, os temas mais importantes de J.R.R. Tolkien, e talvez os mais difíceis de se acertar na adaptação, a segunda temporada brilha.