O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder: A Sombra do Passado - Crítica com Spoilers

O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder: A Sombra do Passado - Crítica com Spoilers

Estreia da série da Amazon é apresentação invejável de uma nova versão da Terra-média

Guilherme Jacobs
1 de setembro de 2022 - 9 min leitura
Crítica


Na introdução do primeiro episódio de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, Galadriel (Morfydd Clark), elfa eleita pela gigantesca série da Amazon como protagonista (ou o mais próximo disso), nos conta sobre sua infância na terra de Valinor, onde o sol era desnecessário diante da luz das árvores. É uma sequência dotada de pureza e nostalgia. A saudade da perfeição. Para muitos fãs das obras de J.R.R. Tolkien ou da trilogia de Peter Jackson, essa natureza imaculada é justamente o que está ameaçado com este ambicioso e arriscado retorno à Terra-Média no Prime Video. Tire as sandálias, você está em solo sagrado. Este mundo, estes livros, é amado por fãs de uma maneira especial, se difere de outras grandes franquias de fantasia e ficção-científica por ter sido abordada com muita cautela, com filmes feitos do jeito certo, milagrosamente até. A tentativa de repetir isso, com O Hobbit, já mostrou os perigos de navegar nestes mares outra vez.


Não demora muito. Em alguns minutos, enquanto se desenrola a narração de Clark, sem dúvidas o destaque deste numeroso elenco, as preocupações dão lugar à admiração. Conforme os olhos da elfa se arregalam testemunhando o brilho divino, os nossos são transportados de volta para um universo tão rico em detalhes quanto é em significado. A visão das árvores não só retrata o patamar avançadíssimo da produção de Os Anéis de Poder, como seu alvo, sua missão. Retornar àquela luz.



O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder - Tudo sobre a gigantesca série da Amazon Prime Video


A série de O Senhor dos Anéis, como o primeiro filme de Jackson, começa com um flashback para a época de guerra. Vemos o crescimento das forças do Grande Inimigo Morgoth, os séculos de guerra entre elfos e orcs, a eventual vitória do bem e a persistência do mal. Sauron é apontado como adversário, e em busca de seu paradeiro está Galadriel, agora liderando guerreiros de sua raça, se aventurando por lugares perigosos e frios. Eles chegam à fortaleza onde Sauron reuniu seus seguidores remanescentes e começou a buscar alguma magia negra capaz de beneficiá-lo com muito poder. Uma luta contra um troll de gelo deixa claro a capacidade de Os Anéis de Poder para ação e realça as habilidades de luta da elfa, mas enquanto ela é capaz de derrotar o monstro, há uma luta além de suas capacidades. Os elfos estão cansados. Não há prova da existência de Sauron. É hora de voltar.


Mas ela sabe a verdade, e nós também. Um símbolo misterioso deixa claro: Sauron está vivo.


Quando o título da série enfim aparece em tela, Os Anéis de Poder já fez seu trabalho. A mesa está posta. Nestes minutos iniciais, o diretor J.A. Bayona e o roteiro dos showrunners J. D. Payne e Patrick McKay realizam uma apresentação invejável, passeando por belíssimas vistas, mostrando o nível dos efeitos especiais, os detalhes dos cenários e o centro de sua narrativa. Não há tentativa de reinventar o tema. Essa é uma história sobre a batalha entre luz e trevas, aqui representadas por Galadriel e Sauron. Os opostos são óbvios. Uma parece brilhar por natureza, o outro suga toda a luz.


Mas a beleza de O Senhor dos Anéis está precisamente em seu olhar honesto para estes temas, na valorização do heroísmo — resistência absoluta à escuridão — e de como ele pode vir de qualquer lugar. Não à toa, o outro destaque deste primeiro episódio é a narrativa dos Pés-Peludos, os precursores dos Hobbit. Paralela à volta de Galadriel para a capital dos elfos está a chegada de Nori (Markella Kavenah), uma curiosa jovem Pé-Peluda com desejos de ver outras terras, ter aventuras e fazer amizades. Seu povo, porém, assim como seus futuros descendentes, não tem muito interesse no que acontece para além de suas fronteiras, e a ideia de uma vida arriscada é desencorajada pelos pais da garota. É, novamente, uma premissa básica. Nori representa a jornada do herói e uma narrativa de amadurecimento, de alguém se descobrindo enquanto conhece o mundo, mas tal artefato é, aqui, muito bem-vindo.




Se Galadriel será o ímã do enredo, a raiz para onde sempre podemos olhar quando precisarmos de um norte nessa mitologia expansiva, Nori é a lente perfeita através da qual iremos descobri-la. Como Bilbo e Frodo mais tarde, seu olhar curioso e inocente será a maneira ideal de, aos poucos, nos aprofundarmos nos segredos e revelações da Terra-Média.


O primeiro episódio de Os Anéis de Poder, felizmente, não trata nenhum destes conceitos familiares com desdém ou tenta subvertê-los. Essas propostas não são vistas como infantis ou batidas, afinal, não há como separá-las destes material. Tolkien, de várias maneiras, estabeleceu a forma com a qual histórias de fantasias são exploradas, seu romantismo e arquétipos. Para comparar com sua competidora direta no momento, essa série não pode ser a versão pós-moderna deste tipo de narrativa, como é Game of Thrones. Isso, contudo, não impede a série de explorar estes temas a fundo. A ideia da luz e trevas, por exemplo, é abordada de forma intrigante.


À primeira vista, a revolta de Galadriel ao conselho de seu amigo Elrond (Robert Aramayo), e depois da decisão do Alto Rei Gil-galad (Benjamin Walker), de considerar Sauron e o mal como derrotado é compreensível. Nos diálogos em Lindon, ela parece ser a única a enxergar a verdade, enquanto seus colegas estão cegos pelo orgulho. Por isso, quando ela decide pular do barco e retornar à Terra-Média para concluir sua missão, seria fácil nos imaginar vibrando. No entanto, o momento é pontuado com tons sombrios, representados na folha corrompida observada pelo monarca. Isso porque, como os dois elfos conversam, a obsessão em derrotar a escuridão pode servir de combustível para a sobrevivência desta ameaça. Quando Galadriel diz que o mal existe nela, sua fala é carregada de trauma por causa da perda do irmão e dos anos em guerra, mas Elrond e Gil-galad enxergam uma insistência perigosa. Justiça não pode ser confundida com vingança. Para derrotar as trevas, não se pode virar as coisas para a luz.


Será interessante ver como Os Anéis de Poder encontrará complexidade e profundidade não na desconstrução dos conceitos de bem e mal, mas naqueles que almejam seguí-los. Este primeiro episódio faz um fabuloso trabalho de não renunciar aos temas clássicos dessa saga, mas ainda sim encontrar novo drama neles.


Não faltarão oportunidades. Novos mistérios são apresentados no núcleo de Arondir (Ismael Cruz Cordova), um elfo patrulhando as terras dos homens e apaixonado pela humana Bronwyn (Nazanin Boniadi), cujo filho Theo (Tyroe Muhafidin) descobriu uma espada marcada pelo símbolo de Sauron. Uma doença está afetando animais e a vida vegetal local, e eles precisam descobrir a verdade enquanto navegam pelo preconceito entre as raças (tema que será mais explorado no segundo capítulo). A interrogação maior, porém, é a identidade do Estranho (Daniel Weyman), um gigante que cai perto da aldeia de Nori em um meteóro. Seu visual rapidamente levará fãs a teorizar que este é Gandalf. Por hora, porém, só podemos esperar.

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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