O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder: À Deriva - Crítica com Spoilers
Segundo episódio estabelece relações entre personagens e prepara o tabuleiro
Crítica
Se o primeiro capítulo de O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder tratou de um dos grandes temas da obra de J.R.R. Tolkien e deste universo — a batalha entre luz e trevas — o segundo episódio vai para outra questão recorrente nos livros da Terra-Média. Através de diversos núcleos de narrativa, acompanhamos a interação entre diferentes raças. Homens e elfos. Elfos e anões. Assim vai. Depois de estabelecer cada facção na estreia, a série agora começa a mover as peças de lugar e preparar o tabuleiro.
Mas a mais interessante dessas dinâmicas é entre Nori (Markella Kavenah) e o misterioso Estranho (Daniel Weyman). Ainda não sabemos o nome da figura que veio no meteoro, mas seus poderes, incluindo a capacidade de falar com animais, são apresentados de maneira inicial aqui. Ele está perdido e não consegue se comunicar, e a Pé-Peludo pretende ajudá-lo, mais uma vez reforçando o princípio básico de jornada do herói tão essencial a Senhor dos Anéis, particularmente quando se trata de pessoas de baixa estatura. As palavras ditas pelo Estranho, “Mana Üre”, podem oferecer pistas. Já se especula sobre ele ser um Valar (anjos, basicamente) ou um Maiar. Um Maia, chamado Olórin, depois virou Gandalf. Ainda é cedo para determinar sua identidade, mas o mais importante é como as cenas entre os dois pontua essa temática.
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Aqui está um ser de grande poder, enorme e confuso, interagindo com uma jovem pequena, sem habilidades especiais mas inteligente e esperta. Numa mistura de inocência e disposição, eles eventualmente se entendem e isso resulta numa belíssima cena na qual o Estranho usa vagalumes para revelar seu objetivo, uma constelação. Nem tudo, porém, está bem. Logo depois de formarem as estrelas, os insetos caem mortos e o Estranho se mostra fraco. Seus poderes, parece, têm um custo. Que tipo de risco isso pode oferecer para Nori?
Se nesse relacionamento, porém, as sombras ainda não se manifestaram, nas interações entre elfos e homens há muita tensão. O elfo Arondir (Ismael Cruz Cordova) e a humana Bronwyn (Nazanin Boniadi) ganham um destaque maior desta vez, com seu romance proibido ganhando tons mais dramáticos, especialmente por conta do preconceito entre ambos lados. Os elfos veem os homens como criaturas sombrias, ainda presas ao passado e ligadas a Sauron, e os homens, em resposta, detestam seus novos “guardas” que os tratam como inferiores. Pode, infelizmente, haver razão para ambos lados tirarem conclusões assim. Os elfos, de fato, falam mal dos homens, que por sua vez ainda mexem com a escuridão. Bronwyn não sabe, mas seu filho Theo (Tyroe Muhafidin) está equipado com uma espada com o símbolo de Sauron.
Isso, claro, não justifica o ódio e preconceito, mas adiciona complexidade ao relacionamento entre as raças. Arondir e Brownyn, contudo, não se deixam levar. Cordova e Boniadi têm química no olhar, ao ponto de acreditarmos quando o elfo diz ter confessado o amor de várias maneiras, exceto palavras. Seus olhos, no momento, são uma prova disso. Juntos, os dois descobrem a presença de uma ameaça debaixo da terra e enquanto ele parte para investigar e é levado por mãos de orcs para a escuridão, ela precisa alertar o povo. Seus gritos são, claro, ignorados. Mas quando um destes monstros, talvez atraído pela espada de Theo, surge em sua residência, ela precisa lutar para sobreviver e, com a ajuda do filho, consegue derrotar o bicho e ganha a prova necessária para alertar seus vizinhos do perigo. Assim como os Pés-Peludos em migração, estes humanos precisam de uma nova casa. Se a teoria da lâmina for correta, porém, trocar de cidade não os salvará destes ataques.
Não será surpresa ver este grupo de personagens eventualmente cruzando o caminho de Galadriel (Morfydd Clark), que no outro exemplo de dinâmica entre elfos e homens acaba à deriva nos restos de um navio atacados por uma serpente marinha. Quando o monstro ataca novamente, ela fica sozinha com Halbrand (Charlie Vickers). As conversas entre os dois mostra o quão profunda é a rachadura entre estes dois lados. Assim como sua nova companheira, ele também perdeu pessoas queridas, e apesar de não culpar o povo de Galadriel pelo acontecimento, não tem interesse em ajudá-la na missão de matar orcs. Sua fala serve como advertência para a heroína, trazendo de volta a ideia levantada pelo Alto Rei Gil-galad (Benjamin Walker) e Elrond (Robert Aramayo). A obsessão de Galadriel com destruir as trevas pode ter o efeito reverso. Halbrand diz ser da terra do sul, que é onde Brownyn está, e acaba concordando (talvez essa palavra seja um exagero) em acompanhar Galadriel até lá. Os dois formam uma aliança instável por conta das circunstâncias e pelo fato de compartilharem um passado traumático, e estão conectados pelo luto e perdas, mas ainda há muito caminho pela frente podermos chamá-los de amigos.
De todas as interações entre raças neste capítulo, a única digna desta definição, por enquanto, é a de Elrond com o príncipe dos anões, Durin IV (Owain Arthur). O elfo vai até as minas e confiante na amizade com o anão, acredita ser capaz de recrutá-los para ajudar na construção de uma fornalha gigante, missão proposta pelo elfo Celebrimbor (Charles Edwards). Não é difícil imaginar o que será forjado lá. Elrond, porém, é pego de surpresa ao ser rejeitado na entrada da cidade, e precisa invocar um desafio para sequer ter a chance de ver Durin face-a-face. O príncipe sai vitorioso, e revela as razões para a animosidade quando está prestes a levar o elfo embora. Eles não se veem há 20 anos. Para o elfo, capaz de viver por milênios, isso pode não ser nada, mas neste período o anão se casou, teve filhos e cresceu. Onde estava seu amigo?
Novamente, Os Anéis de Poder oferecer uma visão honesta e interessante dos temas clássicos de O Senhor dos Anéis. Sempre houve tensão entre as raças, mas a maneira com a qual os problemas entre Elrond e Durin se resolvem não só se mostra como madura e refrescante, como também serve de mapa para todos os conflitos semelhantes na Terra-Média. Ao pedir perdão, o elfo consegue, pelo menos, a chance de conhecer a esposa do anão, Disa (Sophia Nomvete), depois ele recebe um convite para jantar, e ao fim da refeição o laço entre os dois está no caminho de ser reatado. Aramayo e Arthur mostram tremendo carisma nas sua cenas juntos (Nomvete, divertidíssima, também merece destaque), e ajudam a elevar esta trama para o topo do episódio. A reconciliação vem de forma natural e merecida, e o caminho para chegar nela é bem construído com uma dinâmica divertida e convidativa, mas sempre baseada em dilemas convincentes. Será um prazer ver mais deles nas próximas semanas.