O Urso assume título de melhor série da atualidade com segunda temporada fantástica
Retornando no dia 23 de agosto ao Star+ no Brasil, série estrelada por Jeremy Allen White ficou ainda melhor
Crítica
Eu penso em séries de televisão como boxeadores. Sempre há uma produção com o cinturão da modalidade — um título conquistado pelas que combinam popularidade (especialmente entre entusiastas de TV) com aprovação de crítica e audiência. Nos últimos anos, por exemplo, é difícil discordar que Succession foi a dona do cinturão. Como, porém, a série da HBO terminou, o campeão se aposentou e o título precisa passar para alguém. Eu argumento, meu caro leitor, que com sua fantástica e às vezes transformadora segunda temporada, O Urso assumiu de vez o posto. Esta é a série do momento.
A primeira temporada de O Urso pareceu um milagre. Sua capacidade de misturar comédia de drama como um bom chef mistura texturas e sabores gerou uma experiência intensa capaz de nos divertir, emocionar e deixar ansiosos em doses igualmente calibradas, e nos apresentou a um elenco de personagens pelo qual fizemos mais do que simpatizar. Nós torcemos por Carmy (Jeremy Allen White), Richie (Ebon Moss-Bachrach), Sydney (Ayo Edebiri) e os outros membros daquela cozinha caótica em Chicago.
O caos do primeiro ano ajudou a deixar o finale, quando os céus parecem se abrir ao som de Radiohead, tão apoteótico. A promessa de um novo restaurante, de um recomeço para pessoas quebradas e cicatrizadas, nos deixou com uma conclusão que poderia muito bem ser o fim de toda a série. Não vimos o restaurante The Beef virar The Bear, mas sabíamos que eles enfim receberam a chance que precisavam.
É um final escolhido a dedo para servir tanto como fechamento da temporada quanto, caso tudo tivesse dado errado, como despedida do seriado. O sucesso de O Urso, felizmente, significou que uma segunda temporada seria inevitável, e dessa vez os criadores Christopher Storer e Joanna Calo não estão mais tão tímidos — não é spoiler dizer que a nova temporada termina absolutamente certa de que uma terceira virá — e ao lado de colaboradores como os diretores Ramy Youssef e a roteirista Stacy Osei-Kuffour, eles constroem algo feito para provar de uma vez por todas que aqueles primeiros oito episódios não foram um milagre.
O Urso não é aquele artista capaz de hitar com uma música e depois desaparecer. Agora, ela está firmada como a melhor série da televisão na atualidade. O cinturão está com O Urso. Para assumir o título, Storer e Calo removem todas as respostas fáceis. Continuamos de dedos cruzados pelo bem-estar dos protagonistas, assim como pelo bem-estar dos coadjuvantes como Tina (Liza Colón-Zayas), Marcus (Lionel Boyce), Natalie (Abby Elliot) e a novata Claire (Molly Gordon, apaixonante como o interesse amoroso de Carmy), mas não é a súbita aparição de dinheiro que resolverá todos os problemas, especialmente quando este recurso precisa ser usado para construir um novo restaurante.
Em seu retorno, O Urso está tão preocupado em mostrar como preparar uma nova cozinha profissional é tão difícil quanto mantê-la operando noite após noite. Há questões burocráticas e dilemas emocionais, discordâncias profissionais e diferenças pessoais, desafios estruturais e renovações individuais. O mise en place do novo restaurante coloca todas as inseguranças e medos dos personagens à vista.
Completando o cardápio estão estrelas convidadas dos mais altos níveis de atuação. Jon Bernthal está de volta em flashbacks, e Will Poulter e Bob Odenkirk fazem parte da incrível lista de novos membros do elenco. Menciono eles pois sua participação foi divulgados antes da estreia. Não vamos, porém, destacar cada um. Revelar, por exemplo, quem aparece no fenomenal episódio “Forks” — o melhor da série até aqui, e a garantia de um Emmy para Moss-Bachrach — seria tentar descrever o gosto de um prato delicioso com palavras. Podemos até acertar os detalhes, mas para ter a experiência completa, você precisa provar por si mesmo.
Desde a estreia da temporada nos EUA, em junho, muito tem se debatido sobre o uso desses atores convidados. Seriam eles muletas para impressionar rapidamente a audiência? Se sim, missão cumprida. Storer e Calo, contudo, almejam mais. Sim, ver nomes e rostos reconhecíveis nos chocam e surpreendem, mas é o trabalho de atuação em si que faz os raros momentos nos quais vemos o Mikey de Bernthal se tornarem mais do que simples fanservices. Há desenvolvimento ali; um cuidado perceptível com a história e personagem que demanda do intérprete a capacidade de transmitir uma miríade de sentimentos e complexidades com poucos minutos de tela. Em cada uma dessas cenas bombásticas, eles conseguem.
O elenco estrelado é, ao lado de um salto enorme na variedade visual da série, o que mais chama nossa atenção ao passear pelos novos episódios, mas os integrantes da cozinha do The Bear seguem sendo o prato principal. Enquanto Carmy e Syd precisam preparar o novo menu, enquanto Richie precisa saber o que exatamente ele fará, enquanto Fak (Matty Matheson) tenta consertar o gás, cada um deles passa por transformações. Como um ingrediente cozido sob pressão por tempo o suficiente, eles começam a amolecer, quebrar, ganhar novas texturas e se moldar. Para uns, essa jornada significa se afastar do fogão e redescobrir a diversão de uma vida amorosa. Para outros, ela significa justamente encontrar seu lugar dentro de um restaurante de ponta.
O Marcus de Lionel Boyce protagoniza o primeiro grande capítulo da temporada com “Honeydew”, mas não antes do sorriso contagioso de Liza Colón-Zayas como Tina nos levar às lágrimas no final do capítulo de estreia do novo ano. Ebraheim (Edwin Lee Gibson) passa por um quieto mas comovente arco nos bastidores, mas é o trio Carmy, Richie e Sydney que realmente faz O Urso saltar da tela. Jeremy Allen White revela novos lados do personagem ao interagir com Molly Gordon num dos melhores romances vistos na televisão recentemente, e Edebiri está mais do que pronta para assumir sua crescente parcela de protagonismo (como atriz e como chef, vale dizer).
Moss-Bachrach, por sua vez, precisa esperar pacientemente sua vez no holofote. Assim como Richie demora a florescer nesta temporada, ele passa um bom tempo flutuando sem um propósito aparente. Qualquer dúvida quanto a isso é sanada com o já mencionado “Forks,” quando ele sobe de nível como ator, e quando o personagem finalmente se reencontra como pessoa. Mais quieto e íntimo, este capítulo faz um excelente par com o barulhento e impactante episódio seis (“Fishes”) e mais uma vez revela a capacidade de O Urso para encontrar a fusão ideal entre estresse e gentileza. Uma hora estamos desesperados, na outra encontramos paz.
“Forks” revela, entre outras coisas, a história de origem de uma frase vista em três restaurantes diferentes ao longo da temporada. “Cada Segundo Importa.” Os contextos merecem ser descobertos pela audiência, mas esse lema passa a representar tanto a natureza regressiva do tempo para abrir um novo restaurante ou para descobrir quem você é na vida quanto a importância de apreciar os momentos antes que eles passem. Cada mordida, cada cena, cada conversa, cada música, cada jantar.
“Cada Segundo Importa” em O Urso. Cada segundo é uma chance preenchida de ansiedade para conquistar um cliente, para manter as luzes do restaurante acesas, para se estabelecer como chef. E cada segundo é uma maravilhosa oportunidade de provar uma nova receita, de renovar-se, de crescer. Aproveite cada segundo desta segunda temporada, tão especial e única, de O Urso. Uma hora acaba.
A segunda temporada de O Urso estreia com todos os episódios no dia 23 de agosto no Star+