Os Delinquentes, representante argentino no Oscar, é um filme de roubo como você nunca viu
Filme de Rodrigo Moreno está em cartaz nos cinemas brasileiros
Crítica
Normalmente, em filmes de roubo, a cena na qual os criminosos invadem o cofre, retiram o dinheiro e saem do banco é o ápice narrativo e cinematográfico de toda a obra. A hora de empolgar, de colher os frutos plantados durante o planejamento, reunião da equipe e preparação emocional. Em Os Delinquentes, porém, o momento do crime vai e vem sem cerimônia alguma. Mal vemos o rosto de Morán (Daniel Elías) enquanto ele, ajoelhado, empurra notas de dólares para dentro de uma bola, troca a combinação do cofre e abandona sua vida antiga.
Em seu novo filme, Rodrigo Moreno está muito mais interessado nas consequências psicológicas e sociais dessa atitude, assim como nas motivações para o mesmo. Afinal, Morán não é um criminoso profissional, e sim um funcionário daquele mesmo banco; um homem que, quase de um segundo para o outro, decidiu jogar tudo pra cima e terminar seu expediente com a quantia exata que receberia se trabalhasse ali até o dia de sua aposentadoria, décadas no futuro. Em Os Delinquentes, Moreno examina, com bom-humor e ambientação lúdica, a ideia da liberdade que ele deseja, e o que significa conquistá-la.
Para que seu plano — o dinheiro ficará escondido e Morán voltará para coletá-lo após um tempo na prisão — dê certo, Morán recruta o colega Ramón (Esteban Bigliardi), simplesmente por que este era o aliado mais conveniente. Ao explicar a ideia para este homem cujo nome é um anagrama do seu, essa nada grande mente do crime explica sua lógica com a frieza de alguém acostumado a lidar com economia diariamente: Três anos e meio de cadeia, ou 25 anos de um emprego num ambiente que parece tanto congelado no tempo quanto algo totalmente fora da quarta dimensão.
Os Delinquentes funciona, primariamente, porque o banco criado por Moreno (com a grande ajuda de uma direção de arte retrô e tátil) de em sua primeira meia hora parece um buraco negro sugando a vida das pessoas — a máquina perfeita do capitalismo tardio. O gerente acha que está lá desde que nasceu, e os equipamentos parecem ser tão velhos quanto ele. Morán está só trocando um tipo de vida atrás das grades por outra, e a duração desta é muito menor que daquela.
Passamos a acompanhar como ambos homens encaram esses 42 meses. Moreno preenche as três horas de duração do seu filme não com perseguições policiais ou tiroteios, mas sim com a exploração existencial do que é ser livre. Para Morán, isso significa entender que ele nunca estará totalmente imune aos sistemas hierárquicos (uma ideia perpetuada pela escalação do mesmo ator, Germán de Silva, no papel do gerente e do cabeça dos prisioneiros), e para Román, a jornada requer a descoberta das possibilidades de uma vida diferente.
Caminhos alternativos parece ser o principal interesse do diretor. A dupla escalação de Germán de Silva é apenas um dos paralelismos de Os Delinquentes, que em seus primeiros minutos apresenta o curioso caso de dois clientes do banco cujas assinaturas são idênticas. Personagens repetem os mesmos gestos e falas, e ambos protagonistas cruzam o caminho de pessoas chamadas Norma (Margarita Molfino), Morna (Cecilia Rainero) e Ramon (Javier Zoro), todos anagramas. Isso gera divertidas situações com algum grau de metalinguagem (e a melhor piada relacionada a Marvel do ano), e preenche Os Delinquentes com movimento, contrastado a natureza andarilha da direção lenta e atmosférica de Moreno.
O sucesso de Os Delinquentes vem pela forma como Moreno deixa seus personagens, e por tabela a audiência, conhecerem os cenários onde se encontram, explorando suas novas circunstâncias e cotidianos de forma literal e metafórica sem urgência ou ansiedade. É um marasmo bem-vindo, mas que deixa gritantes as poucas vezes nas quais o roteiro transforma suas figuras em marionetes. Triângulos amorosos e traições distraem mais do que ajudam. Outrora confiante em deixar as peças caírem em seus devidos lugares naturalmente, Moreno passa parte da segunda metade de seu filme como alguém tentando fabricar conflito externos pouco interessantes.
É um defeito infeliz num filme feito em sua maioria com grande confiança, e que em parte parece surgir por que Moreno não consegue justificar a longa duração,. Talvez ele esteja na mesma posição que seus personagens, tentando lidar com o espaço que encontrou e aprendendo a lidar com as consequências da liberdade.
Os Delinquentes entra em cartaz nos cinemas brasileiros em 26 de outubro. Depois, o filme vai para streaming no MUBI.