Os Observadores tem DNA dos Shyamalan, para o bem e para o mal
Primeiro filme de Ishana Shyaman, filha de M. Night, não alcança muito mais que um visual bacana em ideias desconexas
Crítica
M. Night Shyamalan marcou a história do cinema com seus primeiros filmes, dramas com o tempero especial do suspense: o garoto que vê pessoas mortas, um homem comum com super poderes e uma possível invasão alienígena. Seus plot-twist viraram marca registrada - e até perseguiram o diretor por um tempo. A sombra do pai poderia ser um problema maior para o primeiro filme de Ishana Shyamalan, mas acaba se mostrando parte do DNA de Os Observadores. A diretora poderia tentar se afastar completamente da imagem de M. Night, produtor do filme, mas acaba referenciando — ou seria reverenciando? — a obra do mesmo nessa adaptação do livro de A.M. Shine. Às vezes até demais, e quase sempre com charme de menos.
Em Os Observadores, acompanhamos Mina (Dakota Fanning), uma jovem artista com, claro, um passado traumático. Ela vive afastada de outras pessoas e se disfarça, usando peruca e nome falso, quando decide sair de casa. Ela acaba presa em uma estranha floresta quando precisa levar um papagaio até outra cidade. Lá ela encontra um trio que vive em um abrigo com um grande vidro espelhado. De dentro, eles não vêem nada, mas depois que o sol se põe, devem permanecer lá dentro trancados e seguir uma série de regras de comportamento. Os Observadores, aqueles do outro lado do espelho, vão passar a noite espiando.
A primeira parte do filme é até interessante, mesmo que não tenha nenhuma novidade. A garota solitária, o ambiente perigoso, o abrigo com regras prontas para serem quebradas, os companheiros estranhos… é uma cartela de bingo fechada com competência pela diretora com o auxílio valioso do trabalho de fotografia de Eli Arenson e da escalação do quarteto aprisionado — Fanning contracena com Olwen Fouéré, Georgina Campbell e Oliver Finnegan.
Com exceção de cenas onde a imagem fica escura demais e sem muito contraste, deixando praticamente incompreensível o desenrolar da ação, a luz e o posicionamento de câmera são os grandes atrativos de Os Observadores. Na composição, Ishana sem dúvidas puxou o pai. Os fachos que cortam as árvores da floresta e o amarelo, por vezes quase dourado, do abrigo contrastam bem hostilidade e a segurança. O jogo de enquadramento, com o enorme espelho/janela, dentro daquele único ambiente ajuda o filme a confundir nossas vistas no alongamento do cenário — o que é real, e o que é reflexo? São elementos simples e interessantes, que ajudam a construção da tensão na narrativa de isolamento dessa metade.
Entre os protagonistas, os destaques são de Fanning e Fouéré. Mina é mais um bom exemplo de como Fanning consegue se afastar da imagem de “menina” em que ficou marcada por filmes como Guerra dos Mundos e Chamas da Vingança. Já Fouéré cumpre perfeitamente bom o papel da veterana seguidora de regras, que deixa o espectador — e por consequência a protagonista — sempre desconfiado. Campbell, que brilhou em Noites Brutais, tem aqui ao menos dois bons momentos para mostrar suas habilidades, seja para o terror/suspense ou para o drama. Quem destoa um pouco é Finnegan, mas não por falta de talento e sim pelo tom mais caricato que a diretora impõe ao seu personagem.
Mas depois de estabelecer o cenário inicial, Ishana, que já havia mostrado seu talento na série Servant, do AppleTV+, não tem confiança ou capacidade para sair da zona de conforto. Talvez a maior ousadia da diretora seja não segurar o segredo de quem são os Observadores até a cena final. As pistas estão ali desde o início, e a revelação serve muito mais como uma afirmação do conto que ela quer mostrar ao adaptar a obra de A.M. Shine do que uma reviravolta na trama. Isso, no entanto, não se sustenta nem na tensão e nem no drama. Para complicar ainda mais, a diretora sente, o tempo todo, necessidade de dar explicações (tipicamente na narração).
E isso é um problema diretamente ligado ao roteiro. Diretora e roteirista, Ishana perde o foco diante dos assuntos e direções que a história pode abordar. O filme mistura folclore irlandês com discurso sobre identidade, nossos reflexos como indivíduos e o nosso fascínio pelo voyeurismo. É uma salada que nunca decide qual é o ingrediente mais importante, e não usa a mistura para elevar as partes. Quando o filme enfim segue uma dessas ideias — diretamente ligada ao que Os Observadores são — parece menos a lógica a ser seguida e mais um dar de ombros. Consequentemente, as outras linhas temáticas são abandonadas.
Por mais que seja injusta a comparação com M. Night, sua marca é tão forte e tão visível aqui (inclusive nos erros), que ela vai respingar ao olharmos para a obra de estreia de Ishana. Principalmente por Os Observadores parecer uma mistura não muito potente de A Vila com A Dama na Água, Ishana erra onde o pai mais provoca e acaba dividindo mais opiniões: a segurança no tipo de história que quer contar. Seja brega, polêmica, melodramática ou assustadora, ele vai fundo na ideia principal, coisa que, pelo menos aqui, a diretora não faz. O DNA e a vontade de contar esse tipo de histórias está lá, falta o charme e a confiança.