Pantera Negra: Wakanda Para Sempre mostra fúria e fé como respostas ao luto - Crítica Com Spoilers

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre mostra fúria e fé como respostas ao luto - Crítica Com Spoilers

Ryan Coogler examina nossas reações à morte (não só de Chadwick Boseman) com Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Guilherme Jacobs
10 de novembro de 2022 - 11 min leitura
Crítica

A crítica abaixo tem spoilers de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre. Para ler a crítica sem spoilers, clique aqui.

Como você reage à injustiça? Ao ver inocentes sofrendo por causa do industrialismo das grandes nações, ao testemunhar o apagar de culturas através do colonialismo, e ao ver alguém talentoso e importante morrer em seu auge? Chadwick Boseman é insubstituível. De fato, uma nova pessoa assume o manto de Pantera Negra em Wakanda Para Sempre, mas jamais há a sensação de que os sapatos do ator original, e por tabela do próprio T'Challa, foram preenchidos. Apesar de ter passado longe do papel da DC Comics, ele era Superman. Inspirador, íntegro, imponente. Boseman passou diversos papéis dotados de nobreza em sua carreira. Ele foi Jackie Robinson, James Brown e Thurgood Marshall. Não há a menor dúvidas que ele seria, ao lado de Cumberbatch, o centro do MCU depois da era Downey/Evans, e agora ele se foi. T'Challa está com os ancestrais, e Boseman na eternidade.

É frustrante. O próprio filme sabe disso. Em momento algum, Shuri se vê como capaz de herdar o posto de protetora de Wakanda, e apesar da boa atuação de Letitia Wright, a atriz não convence quando precisa transmitir a energia inabalável do seu irmão de tela. Talvez já ciente que esse seria o caso, o diretor Ryan Coogler construiu Wakanda Para Sempre como um filme sobre a manifestação do luto através da ira. A raiva proveniente da sensação de ter sido roubado injustamente.

Para Namor (Tenoch Huerta Mejía), essa fúria se dá ao ver o ciclo da ocupação e exploração do seu povo prestes a se repetir, com o mundo da superfície se aproximando cada vez mais da atlânteana Talokan em busca do vibrânio outrora existente só em Wakanda. Para a rainha regente Ramonda (Angela Bassett, rumo ao Oscar), é pela perda constante de parentes, e na maneira com a qual os Estados Unidos, França e outros povos tentam se aproveitar disso para seu próprio ganho. Seu luto é oportunismo, na visão dos outros. Onde esses dois encontram forças para se apoiar é na sua fé, seja no reino espiritual para onde os mortos vão, ou em sua própria existência poderosa como a garantia de que há segurança para os sobreviventes.

Shuri, porém, se vê sem fé. Ela aposta as fichas na tecnologia, e quando seu irmão morre, seu talento científico, equipamento de ponta e intelecto avançado se mostram todos insuficientes. Como pode Wakanda ser tão rica, ela tão inteligente, e ainda sim T'Challa não estar entre nós? É injusto, e por isso ela está tão furiosa. A menina capaz de consertar tudo não conseguiu colocar em ordem a saúde da pessoa mais importante de sua vida, e agora, sem chão, ela se vê perdida no ódio, na vontade de queimar a tudo e todos. Sua presença no filme foi escondida, mas é surpresa que, quando ingere o líquido da Erva Coração, Shuri veja Erik Killmonger (Michael B. Jordan)? Que ele seja o demônio apresentando as tentações de ceder aos piores impulsos? Ele também respondeu a injustiça com vingança. Wright usa a vulnerabilidade da personagem para construir suas melhores cenas, se deixando ferir pela tristeza e teimosia para temperar cada fala com negação. Isso não pode ser a realidade.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre - Tudo sobre o filme que homenageará Chadwick Boseman

Coogler trabalha com beleza essa dinâmica. A luta entre a ira e a fé. Uma como consequência do luto, a outra como remédio para isso. Combinando a trilha sonora grandiosa de Ludwig Göransson com os figurinos vibrantes de Ruth E. Carter e o design de produção de Hannah Beachler, particularmente impressionante quando vamos para Talokan, o diretor aprofunda o mundo que apresentou no filme anterior e faz o mesmo com seus habitantes. Há tensão em Wakanda. Foi correto T'Challa revelar os segredos da nação para o mundo? Como lidar com as traições do ataque de Killmonger? Ramonda está ficando sem paciência para Okoye (Danai Gurira), M'Baku (Winston Duke) reprova muitas ações do Conselho, Nakia (Lupita Nyong'o) está ausente há seis anos. O paraíso pode ser invulnerável a muitas coisas, mas não contra turbulência emocional, e o vácuo deixado pela morte do querido Rei piora isso tudo.

Como um estudo das diversas maneiras com a quais lidamos e enfrentamos a morte e derrotas, Pantera Negra: Wakanda Para Sempre oferece mais substância e honestidade do que praticamente todo blockbuster moderno, especialmente os da Marvel, cuja agora concluída Fase 4 representou uma queda perceptível de consistência. Infelizmente, porém, este ainda é um filme do MCU, e tudo envolvendo o Agente Ross (Martin Freeman), sua ex-esposa e chefe da CIA Valentina Allegra di Fontaine (Julia-Louis Dreyfus), ou mesmo a introdução desnecessária de Riri Williams (Dominique Thorne, competente, mas limitada pelo papel) parecem gordura. Distrações atrapalhando a verdadeira história. Que Coogler tenha escolhido usar Riri como fúsil para o confronto entre Talokan e Wakanda, consequentemente trazendo essa gordura para o centro da trama, representa a pior decisão do filme.

Especialmente porque Namor e Talokan parecem ser, como Wakanda, diferentes do resto do mundo. Sim, o fantasma dos colonizadores é suficiente para justificar seus ataques contra os americanos, e até certo ponto contra o país africano, mas entrar em guerra total? Quando Shuri encontrou a solução pacífica perfeita (esconder Riri em Wakanda), o conflito deveria ter se encerrado. Mas, novamente, esse é um filme da Marvel. É preciso ter lutas em fundos de CG horríveis no terceiro ato, e como no primeiro Pantera Negra, a ação frequentemente deixa a desejar (mas assim como no primeiro, há uma ótima perseguição de carro nas ruas das cidades).

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Raiva, porém, é um aliado fiel da cegueira, e Namor está perdido dentro dela. Por isso, Wakanda é atacada. Onde o roteiro deixa uma brecha, Huerta Mejía se apresenta para preencher o vazio e justificar através de sua atuação animalesca e intensa a decisão do submarino de partir para o ataque. Mesmo quando sua voz não cresce em volume, o ator mexicano deixa claro através de seus olhos a quantidade de ira presente no interior desse mutante, e eventualmente a pressão se torna grande demais. Seu oposto em essência é Bassett como Ramonda. De longe a melhor do elenco, a atriz veterana é a verdadeira sucessora de Boseman quando se trata de transmitir realeza, determinação e caráter. Ela vê o que Namor e Shuri não veem. Seu inimigo pode ter orelhas apontando para o céu, sua filha pode ter visitado o plano ancestral, mas são seus os olhos fixos naquilo que está acima do sol.

Depois de muita luta, Shuri consegue atingir essa mesma perspectiva. Talvez se inspirando em sua própria fé, Wright navega bem o crescimento da personagem, que começa o filme rejeitando as tradições e termina concluindo o ritual de queimar as roupas fúnebres e seguir com a vida. Na cena dos créditos, Coogler pontua essa conclusão espiritual revivendo T'Challa não com efeitos digitais desumanos, mas através de seu filho secreto com Nakia. A criança e a mãe se portam com a paz de quem já está onde Shuri chegou. Eles mostram aceitação não por falta de opções, mas por causa de certezas na alma. É um momento feito para arrancar nossas lágrimas, mas merecido pelo cuidado com o qual o diretor homenageou seu falecido amigo.

Em 2018, discursando para os concluintes da Howard University, Boseman citou Jeremias 29:11 e disse: "Às vezes, você precisa sentir a dor e a picada da derrota para ativar a paixão e o propósito verdadeiros que Deus predestinou dentro de vocês." Não é incomum ter raiva da dor, julgar como injusta a invasão da tristeza e da perda em nossas vidas, mas um outro caminho se apresenta nessas horas. "Eu não sei qual é seu futuro. Mas se você estiver disposto a seguir o caminho mais difícil, o mais complicado, o que começa com mais falhas do que sucesso, o caminho que no fim se prova ter mais significado, mais glória, então você não se arrependerá," disse o homem responsável por viver T'Challa.

RIP Chadwick Boseman. Wakanda Para Sempre.

Nota da Crítica
Guilherme Jacobs

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