Rivais é pulsante triângulo amoroso sobre esporte, desejo e Zendaya

Rivais é pulsante triângulo amoroso sobre esporte, desejo e Zendaya

Auxiliada por Mike Faist e Josh O'Connor, atriz completa sua emancipação num dos melhores filmes de 2024

Guilherme Jacobs
23 de abril de 2024 - 9 min leitura
Crítica

Em determinado ponto de Rivais, uma personagem sugere que tênis é um relacionamento, e é possível conhecer alguém plenamente através do esporte. O melhor argumento a favor dessa tese vem no próprio filme de Luca Guadagnino, um pulsante triângulo amoroso sobre o poder do desejo, do corpo humano e de Zendaya que usa uma única partida para enquadrar, com uma variedade técnica impressionante, a jornada de três pessoas movidas profundamente pela vontade de conquistar — um ponto, um troféu, um ao outro.

“Triângulo amoroso,” na verdade, não descreve bem a situação entre Tashi Duncan (Zendaya) e os melhores amigos, quase irmãos e eventualmente adversários Patrick Zweig (Josh O’Connor) e Art Donaldson (Mike Faist). A geometria, convidativa para representar relações onde há indecisão e alternativas, simplifica demais o que acontece com o trio depois que Tashi frustra a esperança dos meninos de ter uma noite inesquecível em seu quarto de hotel e declara que só o vendedor de uma partida entre os eles poderá tê-la. Na tarde daquele mesmo dia, os dois haviam conquistado o U.S. Open Junior na categoria de duplas. Quando Tashi coloca o desafio na mesa, porém, eles passam a estar de lados opostos da quadra.

Mas Rivais começa muito, muito depois disso. Mais de uma década depois, para ser exato. Tashi está casada com Art, que após conquistar quase tudo no tênis (falta o U.S. Open, e isso é claramente importante para ela), passa por um período ruim na carreira. Para reanimá-lo, ela faz uma jogada como técnica que deixaria até mesmo King Richard impressionado e o coloca num torneio de segunda categoria, onde o agora decepcionante Patrick está inscrito. Desde o primeiro rally entre os dois, acompanhado pela trilha sonora palpitante de Trent Reznor e Atticus Ross, a câmera de Rivais é agitada, mas nunca desconcentrada, como um grande jogador sob pressão.

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Graças a esta brilhante estrutura, o roteiro de Justin Kuritzkes quica entre o presente e passado para deixar cada passo desse relacionamento recheado de tanto suspense quanto o final, e o texto é abastecido pela crença de Guadagnino de que a competição é a consequência natural do desejo. A busca pelo ter, seja isso alguém ou alguma coisa, adiciona movimento, físico e emocional, a cada troca de voleios e beijos. Rivais certamente acerta ao comparar a relação Tashi-Art-Patrick a uma partida de tênis, mas se Tashi seria a bola nessa equação, então é justo dizer que não são os tenistas quem ditam onde ela irá cair.

Ambos passam o jogo inteiro correndo atrás de sua atração, imprevisível e magnética. Para justificar isso, Guadagnino precisava de alguém digna da atenção completa dos personagens, filme e público. Alguém cuja beleza corporal, presença de tela e sex appeal justificam até cenas cômicas, como quando ambos Art e Patrick ficam, literalmente, de boca aberta assistindo-a em quadra. A maior estrela feminina de sua geração, Zendaya não só é uma escolha perfeita, como parece destinada a se tornar ainda maior depois de Rivais.

Assim como faz com os homens, Guadagnino enxerga seu corpo como objeto de desejo, mas nunca o objetifica, e assim consegue transmitir a sensualidade do tesão, a intensidade do esporte e, num momento digno de body horror, a devastação das lesões. Observando suas curvas, sorriso e figurinos, é fácil entender o feitiço consumindo Art e Patrick, mas é o charme e carisma de Zendaya que preparam a melhor armadilha do filme.

Chamar Tashi Duncan de vilã seria reduzir Rivais a um simples esquema preto-no-branco, mas Guadagnino sempre reconhece o perigo de tê-la como seu sol. A gravidade atrai, mas amassa. Seu calor os enche de vida e motivação, mas no processo ela os faz transpirar toda gota de suor e energia possível, e especialmente quando sua carreira profissional é frustrada por um joelho machucado, sugá-los para sentir-se no topo é o que lhe resta. Enquanto ela transita da juventude para a vida adulta, dá quase para sentir Zendaya tratando este longa como sua emancipação. Promovendo o filme, ela não escondeu o desejo de deixar papéis colegiais para trás, e a julgar por seu trabalho aqui, já era hora. Igualmente manipuladora, impaciente e determinada, ela quase engole todo o filme.

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Só não acontece, em parte, porque O’Connor e Faist nunca deixam Patrick e Art virarem coadjuvantes, ainda que Tashi os enxergue assim. Na adolescência, Patrick, filho de pais ricos e ausentes, é o mais talentoso. Ardiloso, menos dedicado ao tênis e provavelmente interessado em Art, ele é interpretado por O’Connor com o sorriso quebrado de quem, mesmo depois de anos em baixa, ainda desperta em Tashi e na audiência um interesse perigoso. Como fez recentemente em La Chimera, ele mantém palpável a contradição no centro de Patrick: sua capacidade para autodestruição é precisamente o que o torna cativante.

Do outro lado está Faist, mais comedido, carinhoso e, apesar do homoerotismo sugerido por como Guadagnino em momentos chave, alheio aos avanços de seu colega/rival. Por design, Zendaya é a dona de Rivais, mas é Faist — espetacular no pouco visto Amor, Sublime Amor de Steven Spielberg — que entrega a atuação mais repleta de textura e camadas do filme. É necessário, porque o ponto de vista de seu personagem, alguém disposto a sofrer para vencer mas nem sempre para lutar por isso, é o menos explorado por Guadagnino.

É verdade que, dos três, Art é o mais calado e tímido, e portanto mais fácil para Tashi moldar à sua imagem ou para Patrick irritar com suas indiretas e saques. Há, porém, quase um desinteresse do roteiro no personagem, mas Faist, o mais fisicamente dotado do trio, se nega a ceder ao texto e é paciente na sua vulnerabilidade, esperando o abrir de uma janela para atacar. É assim que o estilo de jogo de Art é descrito, e é assim que o ator impede que ele perca espaço.

Cria-se uma tensão, sexual e esportiva, e Guadagnino se diverte brincando nesse vai-e-vem. O autor favorito dos jovens astros de Hollywood deixa a criatividade solta para imaginar como cada ponto se desenrola com a mesma empolgação com a qual Art e Patrick se jogam na cama com Tashi.

A cada devolução, a carga hormonal de Rivais vai aumentando até a chegada de um clímax que serve tanto como set final da rivalidade entre Art e Patrick quanto como o fechamento inevitável para o qual Tashi os levou esse tempo todo. É uma cena de tirar o fôlego, e precisa ser. A explosão visual com a qual Guadagnino leva o filme à conclusão serve para nos deixar em êxtase e para compensar pela incapacidade do texto de amarrar seus temas e personagens num só ponto, uma insuficiência aceitável. Afinal de contas, como insiste Tashi, só estamos falando de tênis.

Nota da Crítica
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Guilherme Jacobs
ONDE ASSISTIR

Rivais

Drama
Romance
Reality e TV
2h 11min | 2024
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