
Steve Martin: Documentário grandioso da Apple mostra lenda da comédia com bem-vinda vulnerabilidade
Com duas partes e mais de três horas, filme sobre a vida de Steve Martin foi lançado no Apple TV+

Crítica
Como muitos jovens entre 25 e 35 anos, eu tenho várias memórias de Steve Martin em minha infância. Normalmente, elas estão associadas a algo engraçado. No meu caso, ambos Doze é Demais e Pantera Cor-de-Rosa vêm à mente quando penso no rosto risonho, rosa e redondo do homem no centro de STEVE! (martin): documentário em duas partes lançado no Apple TV+. Nem Doze é Demais nem Pantera Cor de Rosa são mencionados no filme, que ao todo supera três horas de duração. É um testamento para a riqueza dessa carreira.
Dizer que Martin marcou uma geração é errado. Com sua personalidade cativante e cabelos inacreditavelmente brancos, ele dominou décadas. Dos anos de stand-up que ocupam a primeira parte do documentário ao sucesso recente com Only Murders in the Building, brevemente mencionado no fim da parte dois, ele se reinventou e permaneceu na cultura pop como poucos. Por isso, a perspectiva de analisá-lo num documentário é tão intoxicante quanto, dado o estado atual do cinema sobre celebridades, preocupante. É muito fácil encher duas horas de números, factoides e entrevistas para falar tudo sobre Martin sem dizer nada.
Dirigido por Morgan Neville (e não produzido por Martin), STEVE! não chega exatamente no nível dos melhores docs sobre estrelas, mas tampouco é uma rasa exploração do que fez, e ainda faz, seu assunto ser tão interessante. Educado, mas não graduado, em filosofia, Martin está mais do que disposto a falar com franqueza, perspectiva e sinceridade sobre os altos e baixos de sua vida pessoal e profissional, muitas vezes rindo dos fracassos mais do que dos sucessos. Neville faz alguns desvios formais necessários para manter o filme cômico e dinâmico, inserindo colagens e animações para recriar e revisitar momentos. Nada mais justo. Seria inaceitável fazer algo chato sobre um dos homens mais divertidos do mundo.
Na primeira parte, Martin sequer aparece em câmera. Ouvimos as vozes de ícones como Jerry Seinfeld e Lorne Michaels, mas tampouco os vemos. Batizada de "Antigamente," essa seção depende inteiramente do uso de fotos e gravações para mostrar a entrada do entretenimento em Martin, e depois de Martin no entretenimento. Do fascínio juvenil com truques de mágica aos mais de 10 anos lutando para ganhar espaço na comédia, tudo isso é narrado por Martin com uma abertura leve. Detectamos em sua voz o tom de quem está em paz com tudo aquilo.
Ainda que seja possível notar traços de tristeza quando ele comenta do pai rígido, ou tons mais exaltados nas reflexões sobre seu estilo de humor, o comediante soa relaxado e disposto a entrar em detalhes. Auxiliado pela estrutura linear, indo de seus primeiros shows em clubes noturnos até a decisão de parar o stand-up num momento onde ele poderia ser descrito, sem exageros, como o maior de todos os tempos, Martin recebe e aproveita várias oportunidades de descrever, analisar e questionar seus atos e sentimentos. Seus maiores fãs não sairão de "Antigamente", necessariamente, com mais conhecimento, mas terão a impressão de ter realmente conversado com Steve. Em meio a tantos documentários chapa-branca, produzidos pelos próprios artistas investigados, é refrescante ver alguém disposto a falar com honestidade do feio e triste tanto quanto dos holofotes.
Passamos ainda por O Panaca e outros de seus primeiros filmes, mas sua longa e frutífera passagem por Hollywood fica para "Atualmente", e é também o capítulo menos interessante de toda obra. Com a exceção de uma emocionante lembrança de Martin sobre o personagem de John Candy no clássico Antes Só do que Mal Acompanhado, esse trecho não oferece o mesmo discernimento, engraçado e genuíno, do stand-up em "Antigamente." Felizmente, essa queda vem apenas no meio "Atualmente," cercada de um bom começo e um ótimo final.
Essa segunda parte começa muito bem, com a transição para o Steve de agora, mais velho e tranquilo, e a apresentação de alguns de seus colegas, com merecido destaque para Martin Short. Filmada enquanto eles preparavam seu show de comédia em dupla (agora disponível na Netflix), ela se beneficia da química entre os dois veteranos para nos colocar dentro dessa nova era. O tom é mais descompromissado. Natural. Há a impressão de estarmos realmente acompanhado a vida de Martin.
Com o tempo, Neville encontra oportunidades de fazer o mesmo com a paixão de Martin por pinturas, e eventualmente com o casamento dele com Anne Stringfield e a subsequente transformação dos dois em pais. Novamente, o passado filosófico de Martin vem à tona, quando comparações com seu próprio pai são feitas e o documentário não resiste especular como isso afetou sua arte, incluindo através de recriações atuadas da peça semiautobiográfica WASP, escrita por Martin e com Finn Witrock no papel do patriarca.
Neville e Martin se apoiam demais nisso, e STEVE! (martin) fica um pouco repetitivo, particularmente quando o assunto já foi abordado bem na primeira parte. Ainda assim, é compreensível. A palavra "melancolia" é mencionada algumas vezes durante o filme como algo presente no interior de Steve Martin. Assistindo ao documentário, percebi como isso é verdade. Lembrei de como tantos de seus personagens, por mais hilários e bobos, pareciam ter um pesar nos olhos, e como aparições públicas, ele parecia, às vezes, tão cansado.
Talvez o maior feto de STEVE! (martin) seja exatamente esse. Dar nome ao que sentimos acompanhando Martin em suas várias vidas como homem de diversão. Do palhaço físico dos palcos ao ator expressivo do cinema, passando pelo apaixonado por arte e enfim chegando à lenda de 75 anos que faz questão de pedalar, cuidar da própria roupa suja e não mostrar a filha em câmera, para que ela tenha uma infância normal; STEVE! (martin) ousa se aventurar por toda a jornada de Steve Martin, e ao mostrá-lo como ele é, desarma nossas preocupações. Seria impossível fazer um documentário superficial sobre Steve Martin simplesmente porque Steve Martin não é superficial.

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