Suncoast coloca atriz de The Last of Us em comovente filme de mães e filhas

Suncoast coloca atriz de The Last of Us em comovente filme de mães e filhas

Nico Parker e Laura Linney mais do que compensam o texto básico do filme de Laura Chinn

Guilherme Jacobs
9 de fevereiro de 2024 - 7 min leitura
Crítica

Qualquer pessoa familiarizada com os comoventes e convidativos filmes de amadurecimento comuns no Festival de Sundance, como Eu, Você e a Garota Que Vai Morrer ou O Maravilhoso Agora, reconhecerá rapidamente os ritmos de Suncoast, o primeiro trabalho de Laura Chinn como diretora. Se inspirando na sua juventude e família, a cineasta entrega o tipo de filme pelo qual o evento ficou conhecido; um simples mas detalhado retrato de uma época específica, e das pessoas que habitam nela.

É o começo dos anos 2000, e debaixo do clima tropical da Flórida, Doris (Nico Parker) só quer ser uma menina normal. Matriculada numa escola particular, ela equilibra as origens mais humildes com a vontade de se enturmar com os colegas mais populares, e à primeira vista seus dilemas são iguais aos de tantos outros personagens em fim da adolescência. Só que como Paul (Woody Harrelson) diz, em tom profético como se Chinn quisesse falar com ela mesma no passado, Doris não é normal. Afinal de contas, ela é uma garota de 17 anos chamada Doris.

A anormalidade vem na sua vida domiciliar, onde ela cuida do irmão junto sua mãe, a intensa e ansiosa Kristine (Laura Linney). O rapaz têm câncer no cérebro, e está nos seus últimos dias de vida. Enquanto Kristine só consegue pensar nisso, ao ponto de até esquecer da existência de Doris quando uma conselheira de luto pergunta se ela tem outros filhos, Doris só quer pensar em outra coisa. Há tanto em sua mente que as circunstâncias extraordinárias rolando no centro médico onde o irmão está internado não lhe parecem em nada importantes.

Do lado de fora do hospital, Paul e outros manifestantes estão protestando o tratamento de Terri Schiavo. Trata-se de um caso real que se tornou uma das grandes polêmicas médicas de todos os tempos. Segundo o marido de Schiavo, antes de uma parada cardíaca que lhe deixou 15 anos em estado vegetativo, ela manifestou o desejo de morrer caso estivesse numa situação irreversível. Quando os médicos realizam a vontade dela e interrompem sua alimentação, os protestos começam.

Mas Doris não tem muito interesse nisso (e o filme parece em linha com sua protagonista). Ela só quer aproveitar as noites com a mãe longe para juntar os novos amigos em sua casa, dar festas, se apaixonar e aprender a dirigir com o auxílio de Paul. Suncoast utiliza o caso Schiavo como pano de fundo, e pincela os temas de vida e morte através de cenas didáticas na escola ou das conversas com Paul, mas sempre com um ou dois passos de distância de Doris. Conforme seu irmão entra nos últimos momentos, a menina passa a considerar mais esses assuntos, mas o filme não transforma essas ideias em nada além de mensagens vagas.

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É uma pena, porque isso ajudaria Suncoast na busca por uma identidade própria. Competente na construção dos dilemas e vontades de uma adolescente determinada a "tirar o atraso" de viver cuidando do irmão e não curtindo a juventude, ele passa sem grandes louvores mas com bastante carisma pelos passos típicos do gênero. As escolhas entre família e amigos, as brigas com a mãe, os erros honestos. Tudo está ali, e Chinn cria o clima apropriado para tudo, mas nunca vai além disso.

Não há representação melhor para esse problema do que o próprio Harrelson. Preso num papel melhor descrito como a versão genérica de sua figura paterna no superior Quase 18, o ator até eleva suas cenas com Parker pelo seu carisma natural, mas os discursos de Paul sobre o valor da vida de Schiavo (e do irmão da menina) parecem tentativas vãs de Chinn resumir os debates do momento em pílulas facilmente digeríveis.

Muito melhor é o trabalho de mãe e filha, onde a textura biográfica de Chinn está visivelmente mais completa. Além da excelente construção da ambientação — Suncoast rapidamente nos transporta para o período e para o local de sua história através roupas, cores e música — ela traça com primor o relacionamento entre uma mulher tentando de tudo para ser a melhor mãe para um de seus filhos sem perceber como isso está afetando a outra, e uma jovem que busca fingir desinteresse na aprovação materna, mas que só quer finalmente ser percebida.

Linney é espetacular no difícil papel de Kristine, comunicando sem reservas a acidez de uma pessoa amargurada com a vida e sempre deixando a vulnerabilidade de uma mãe incapaz de salvar o filho perceptível nos pequenos gestos da personagem. Destaque no episódio um de The Last of Us, Parker é o outro lado da moeda, alguém que se acostumou a não ter para quem expressar suas emoções, e que vê nesse furacão emocional a chance de finalmente se abrir. Como a menina enfrenta os obstáculos nesse processo é grande parte do prazer do filme, que apesar de fundamentado nos clichês do formato nunca perde a autenticidade.

Isso se dá pela especificidade do texto de Chinn nas cenas familiares (justamente o que está ausente em tudo envolvendo o caso Schiavo) e por como Parker e Linney trazem à vida a dinâmica complicada e verdadeira de Doris e Kristine. É fácil ser levado às lágrimas quando Suncoast se aproxima de sua conclusão; não tanto porque seu roteiro é trabalhado com primazia em todos os aspectos, e mais porque as duas atrizes, aliadas à diretora, mais do que compensam o quão básico o filme pode ser.

Crítica escrita em 29 de aneiro como parte do Festival de Sundance 2024. Suncoast estreia no Brasil em streaming no Star+ no dia 9 de fevereiro.

Nota da Crítica
EstrelasEstrelasEstrelasEstrelasEstrelas
Guilherme Jacobs
DISPONÍVEL EM

Suncoast

Drama
1h 50min | 2024
criticafestival-de-sundancenico-parkerlaura-linneywoody-harrelsonchippu-originalsguilherme-jacobssuncoastlaura-chinn

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