O Próprio Enterro leva comédia para tribunal com uma inusitada dupla em Jamie Foxx e Tommy Lee Jones
Filme foi exibido no Festival de Toronto 2023
Crítica
Dramas de tribunais são um subgênero que permite elementos de suspense, romance, terror e, claro, comédia. Este último é o caso de O Próprio Enterro, longa de Maggie Betts estrelado por Jamie Foxx e Tommy Lee Jones, exibido no Festival de Toronto 2023. A abordagem da cineasta para o caso real de um pequeno empresário do Mississipi contra uma grande seguradora de funerais se sustenta pelo talento cômico do elenco, ao mesmo tempo que sutilmente fala sobre as questões raciais que permeiam o julgamento.
Foxx vive um renomado e irreverente advogado chamado Willy E. Gray, famoso por atender a comunidade negra e nunca ter perdido um caso. O ator não poupa sotaque puxado, roupas bufantes, mas o que salta aos olhos é o ritmo das piadas que compõe com seu time de auxiliares, lembrando uma espécie de esquete de show de auditório - muito auxiliado também pela calma com que Betts filma o ambiente e deixa todos os atores falarem ao mesmo tempo. Gray é daqueles astros de tribunal que se transformam em exemplo de superação, criando quase um filme dentro do filme. E por mais que funcione devido à força de Foxx, por vezes o roteiro de Doug Wright e Betts perde o foco e não consegue se aprofundar o suficiente nem no julgamento nem nos participantes dele.
Quem segura a onda e torna O Próprio Enterro menos perdido é Jones. Cada vez mais confortável no papel do senhor de idade de olho no legado e não no presente, o ator deixa as marcas do rosto e o olhar cansado falarem mais que as frases de efeito. A dinâmica dessa dupla é bem desenvolvida no pessoal, mas superficial quando tenta emplacar os temas sociais como pauta em discussões entre eles. Como comédia, porém, a composição inusitada deles funciona de maneira inesperada e quase sempre surpreendente, pois o divertido estereótipo de Foxx confronta a serenidade quase imperceptível de Jones, trazendo uma dupla que ao fim do filme se torna genuinamente motivo de admiração.
Dá pra sentir ao longo de O Próprio Enterro que além da questão racial, a mais importante pauta do roteiro, foi explorada de maneira mais sutil do que a merecida; do mesmo jeito que a posição exploratória das mega corporações. Quando tenta tornar isso mais sisudo, com monólogos sobre o enterro da história da comunidade negra nos EUA, ironicamente o filme perde força, já que a honesta irreverência da comédia funciona e conduz a trama melhor do que qualquer discurso político tradicional. O humor com que ele compõe visual, velocidade das piadas e o contraste nas visões de mundo dos envolvidos no tribunal é o que de fato torna O Próprio Enterro diferente de outros filmes do gênero.
Essa crítica foi originalmente publicada em 12 de setembro no Festival Internacional de Toronto. O Próprio Enterro foi lançado no Brasil em 13 de outubro no Prime Video.